Escreve-se aqui o seguinte:
“O Cristianismo perdeu a “magia” que em tempos teve e na Europa depara-se hoje com um sério problema. É que o mais do que evidente ressurgimento dos nacionalismos e identitarismos na Europa faz um apelo directo às raízes da tradição europeia e isto em termos religiosos constitui um grave problema para os cristãos, pois as raízes religiosas da Europa nunca foram nem o Judaísmo, nem o Cristianismo, mas sim o Paganismo politeísta que no caso europeu se divide em inúmeras “famílias” de cultos pagãos, cada qual com a sua identidade e tradições próprias”.
Vamos analisar este trecho.
1/ os paganismos não são só característica da Europa pré-cristã; são também característica de praticamente todas as sociedades primordiais e em todo o mundo. O paganismo assume, em todo o mundo primordial, formas diferentes de acordo com diferentes mitos.
2/ os tradicionalistas propriamente ditos não defendem a tradição apenas pela sua defesa. Por exemplo, a tradição islâmica da excisão feminina não é racionalmente defensável em nenhum ponto possível; a tradição islâmica da poligenia também não; ou a tradição religiosa do canibalismo nas sociedades primordiais não é racionalmente defensável.
Portanto, alguém que se diga “tradicionalista” e que defenda as tradições de uma forma irracional, não é tradicionalista porque coloca em causa, por intermédio da sua irracionalidade, a continuidade cultural da própria noção de “tradicionalismo”.
3/ Uma das características do PNR (Partido Nacional Renovador) é a presença ideológica de um determinado “paganismo” que é emulado do paganismo primordial alemão e nórdico que alimentou o nazismo (Romantismo alemão). Portanto, o paganismo do PNR (Partido Nacional Renovador) pouco tem a ver com o paganismo pré-cristão português que está próximo dos cultos religiosos introduzidos pelo império romano (e não a república romana) na península ibérica através dos soldados romanos.
Por outro lado, o PNR (Partido Nacional Renovador) é um partido que defende a presença omnipresente e omnipotente (e quiçá omnisciente) de um Super-Estado em Portugal. Por esta duas características não podemos afirmar que o PNR (Partido Nacional Renovador) seja propriamente um partido conservador e/ou tradicionalista.
A tradição portuguesa, desde a fundação da nacionalidade, é a limitação do poder do Estado que só foi adulterada com a introdução do absolutismo francês.
4/ o assunto do paganismo na Europa é demasiado complexo para ser tratado aqui ou em qualquer blogue. Mas poderemos afirmar que foi o paganismo grego, por um lado, e o paganismo oriental (cultos de Ísis, Ashera, e principalmente o culto de Mitra, etc.) introduzidos pela soldadesca romana que mais influenciou a sociedade pré-cristã em Portugal.
5/ O sistema grego dos deuses do Olimpo em Atenas era apenas uma “religião formal e oficial de Estado”, por assim dizer, e não coincidia com os cultos religiosos populares.
Vejamos o que escreveu o grego Xenófanes em verso:
“Com o nariz achatado, negros: eis como os etíopes vêem os deuses.
Mas de olhos azuis e louros, é assim que aos seu deuses vêem os trácios.
E os bois, os cavalos e os leões, se tivessem mãos,
mãos humanas, para desenhar, para pintar, para esculpir,
os cavalos pintariam deuses iguais aos cavalos, os bois iguais aos bois,
e criariam as suas figuras, as formas dos corpos divinos
segundo a sua própria imagem: cada um conforme a sua”.
Ou seja, Xenófanes, o grego, verificou que o culto pagão, em geral, é antropomórfico. Xenófanes era mais inteligente do que a esmagadora maioria dos homens hodiernos.
Escreve Xenófanes:
“Um só Deus é supremo entre os deuses e os homens,
não à imagem dos mortais ou dos seus pensamentos,
permanece sempre no mesmo lugar, imóvel,
e também não lhe convém vaguear de um lado para o outro,
facilmente faz vibrar o Universo apenas com o seu Saber e Vontade,
Ele é a visão total: todo o pensamento e todo o planear: e é todo o ouvir”.
Convém que os leitores saibam que Xenófanes viveu muitos séculos antes de Jesus Cristo, por um lado, e, por outro lado, que ele herdou a tradição pitagórica que também influenciou Platão que, por sua vez influenciou, através do neoplatonismo, o Cristianismo primordial da patrística. Portanto, a ideia segundo a qual “a religião pagã dos deuses do Olimpo era a religião popular na Grécia”, é falsa.
5/ todas as religiões pagãs são imanentes .
Até o Judaísmo foi uma religião imanente até pouco tempo antes do nascimento de Jesus Cristo (com a diferenciação clara entre fariseus e saduceus), e, por isso, podemos dizer que o monoteísmo judaico foi um “monoteísmo imanente” durante muitos séculos. O Judaísmo só se transformou verdadeiramente em uma religião transcendente a partir da destruição do templo de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C.
6/ Escreve Xenófanes:
“Não é desde o início que os deuses revelam tudo aos mortais.
Mas com o correr do tempo, procurando, descobrimos melhor”.
A diferenciação cultural introduzida por Jesus Cristo foi a transcendência monoteísta de que nos falava já Xenófanes com a noção de “Deus supremo”.
Esta diferenciação cultural é única em todo o mundo e em todas as religiões. A noção de “transcendência” é estranha à qualquer tipo de paganismo — incluindo o paganismo antropomórfico actual dos mitos culturais urbanos dos ídolos humanos (por exemplo, CR7) e o culto do dinheiro. Assim como os etíopes viam os deuses imanentes com nariz achatados e negros, assim o homem hodierno vê os deuses imanentes com muito dinheiro e pertencendo à “socialite”.
7/ o paganismo, seja qual for, é um retrocesso civilizacional, uma espécie de retorno a um neolítico actual.
Identificar positivamente um retorno ao neolítico, por um lado, com o nacionalismo português, por outro lado, é um absurdo — porque Portugal, como nação, foi fundado tendo como base o Cristianismo.
Sem Cristianismo não há Portugal; e os internacionalistas e globalistas sabem disso.
Esse “paganismo nacionalista” deriva diretamente da “Nouvelle Droite” francesa?
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Comentar por Fábio V. Barreto — Segunda-feira, 7 Dezembro 2015 @ 7:33 pm |
[…] leitor perguntou o seguinte, nesta […]
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Pingback por O nacionalismo dos deuses pagãos de Wagner através de Nietzsche | perspectivas — Terça-feira, 8 Dezembro 2015 @ 11:06 am |