perspectivas

Quinta-feira, 10 Julho 2014

Resposta a um comentário do professor de filosofia Rolando Almeida

 

No seguimento deste meu verbete, o professor de filosofia Rolando Almeida escreveu um comentário que pode ser lido aqui, ou aqui em PDF depois de corrigido para português correcto. Segue-se a minha resposta ao comentário de Rolando Almeida.

1/ O facto de a Direcção da Escola atribuir as turmas a um professor, não significa que os critérios de ensino sejam de tal forma subjectivos que o professor possa afirmar literalmente que “os alunos são meus”.

2/ Em relação a Peter Singer: ou o Rolando Almeida desconhece os escritos do professor australiano que ensina na Universidade de Princeton (quando não deveria ensinar), ou está de má-fé. Sendo o Rolando Almeida um professor de filosofia reconhecido pelo sistema de ensino, tenho que concluir que, neste caso, ele age de má-fé.

Para que o leitor possa ter uma ideia daquilo que Peter Singer pensa e ensina, pode consultar até a Wikipédia em inglês — porque a Wikipédia brazuca nem vale a pena ler!

3/ Escreve o Rolando Almeida:

“Mas vamos supor que Singer até defendia, como alguns filósofos o fazem, que não existe qualquer problema moral no infanticídio em determinadas circunstâncias? Segue-se daí que não devam ser abordados tais argumentos quando se pensa filosoficamente sobre o assunto, mesmo em aulas do secundário? Com que seriedade se eliminam uns autores e se aceitam outros? Foi capaz de pensar nisto antes de escrever a parvoíce que escreveu?”

Para o Rolando Almeida, e por exemplo, o livro “Mein Kampf” de Adolfo Hitler poderia ser disponibilizado para leitura dos seus (dele) alunos sem uma interpretação em contexto. Eu penso que o “Mein Kampf” de Hitler não deveria ser sequer matéria de discussão em uma aula de filosofia; mas seguindo o critério do Rolando Almeida — segundo o qual “não é sério eliminar uns autores e aceitar outros” — não seria lógico que dissociássemos o autor Adolfo Hitler, por um lado, da sua obra filosófica, por outro lado (porque o “Mein Kampf” contém, em si mesmo, uma determinada mundividência e, por isso, uma filosofia).

O que me surpreende é que o “parvo” seja eu. O recurso ao ataque ad Hominem é uma falácia lógica que qualquer professor de filosofia deveria evitar.

Se se quiser ensinar Peter Singer em aulas de filosofia para adolescentes, as ideias do autor australiano não devem ser parcialmente “branqueadas” — ou seja, não se deve esconder o facto, por exemplo, de Peter Singer comparar um feto humano com um peixe.

4/ Eu não tenho nada pessoalmente contra o Rolando Almeida — que eu nem sequer conheço. O meu ataque e ideológico, e não é ad Hominem.

5/ Em filosofia, a mundividência do autor deve ser o ponto de referência do ensino da sua obra. Por exemplo, não é aconselhável ensinar Hegel senão a partir da sua (dele) mundividência que consiste na unidade dialéctica e a identidade do finito e do infinito. Só a partir deste ponto cardeal da sua (dele) mundividência se desenvolvem as teorias e o sistema hegeliano. Por isso, não é admissível que um professor de filosofia diga aos seus alunos que Peter Singer é um “altruísta” — mesmo que ele defenda um altruísmo utilitarista — quando o australiano defende (por exemplo) a ideia segundo a qual o feto humano tem o estatuto ontológico de um peixe.

6/ Os tempos estão a mudar. O relativismo do Rolando Almeida em relação à vida humana (por exemplo, explicitamente em relação ao aborto), em um tempo de depressão demográfica, coloca a mundividência do Rolando Almeida fora de moda. E é talvez isso que o preocupa e deve preocupar.


Resposta ao verbete de Rolando Almeida com o título “Contestar não é o mesmo que criticar – Resposta aos posts do Orlando”, pode ser lida aqui.

5 comentários »

  1. Caro Orlando, na verdade não sei o que o move contra mim, porque na verdade é contra mim que sempre escreveu. Não o conheço de parte alguma e penso que os seus ataques públicos estão a ultrapassar o limite do aceitável. Na verdade eu também tenho um blog, muito provavelmente mais lido que o seu e poderia fazer o mesmo com os seus posts. Neste seu último atribui-me, além de acusações pessoais avulsas,pensamentos que não tive e afirmações que não fiz. Já vi que o seu interesse não é discutir, mas se ainda tiver um pingo de bom senso responda-me a uma questão por favor: o que é que quer dizer com esta frase: “a mundividência do autor deve ser o ponto de referência do ensino da sua obra.”. Significa que se um autor for, nos seus tempos livres, um tarado sexual que se deva partir daí para a análise da sua obra?
    Em todo o caso já verifiquei que foi à wikipédia ler qualquer coisa sobre Singer. Nada mau. Conheço piores. Como sabe se procurar na internet estas manifestações de ódio em relação a Peter Singer são comuns. Só que são sempre erradas. E no meu caso específico, o Orlando erra no alvo pois se tivesse lido com atenção o que escrevi e deixasse a ira irracional de lado verificaria, entre outros aspetos, que eu não fiz em momento algum qualquer defesa idolátrica de Peter Singer. mas enfim…
    Para já leio os seus comentários como atitudes troll. Nem sequer lhe devia ter respondido. Mas já que o fiz fique de antemão avisado que legalmente deve ter cuidado quando coloca a minha profissão em causa de forma pública como o fez.
    Acha mesmo que o que afirma sobre “os meus alunos” faz algum sentido? E porque começa sempre os seus escritos com questões laterais como esta?
    Infelizmente para si e para mim também, escrever com o AO é português correto. Não seja inflamado nem odioso e trate os problemas e as pessoas de forma afável que é o mais próprio de pessoas civilizadas.

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    Comentar por Rolando Almeida — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 11:36 am | Responder

    • Caro leitor deste blogue:

      1/ um ataque ad Hominem é feito por princípio, e não em consequência de um raciocínio analítico.

      Por exemplo, eu posso afirmar que uma pessoa é “nazi” se ela defende as ideias do livro “Mein Kampf” de Hitler — e neste caso não se trata de um ataque pessoal (ou ad Hominem), mas antes trata-se de uma constatação de facto: é um facto que alguém que defende as ideias do “Mein Kampf” tem pelo menos uma tendência política nazi.

      Um ataque pessoal é feito a priori; uma constatação de facto é feita a posteriori — é uma conclusão lógica. Se afirmarmos, por exemplo, que uma pessoa que não sabe ler/escrever é “analfabeta”, não estamos a fazer um ataque pessoal, mas antes estamos a fazer uma constatação de facto que decorre de um raciocínio analítico.

      Portanto, não fiz nem faço um ataque pessoal ao Rolando Almeida, mas antes retiro conclusões da forma como ele classificou Peter Singer (“altruísta”), por um lado, e por outro lado pelo facto de ele ter incluído Peter Singer no ensino da filosofia em um contexto acrítico e apologético.

      2/ em uma troca de argumentos, devemo-nos ater a factos, e não a subjectividades. E é um facto que Peter Singer defende o infanticídio! Contra factos, não há argumentos. Não podemos dizer que Peter Singer não defende o infanticídio quando ele próprio escreveu um livro a defender o infanticídio.

      3/ não devemos confundir o “subjectivo”, por um lado, com o “objectivo”, por outro lado.

      Por exemplo, um tarado sexual pode eventualmente ser professor de filosofia — desde que a sua tara sexual não interfira nem com a sua actividade profissional, nem com a lei, e nem com a ética que também é importante!. Neste caso, a tara sexual do dito cujo é do seu (dele) foro íntimo.

      Coisa diferente é um professor de filosofia escrever um livro que defenda uma mundividência segundo a qual se faz uma apologia da tara sexual, e depois ele parta dessa mundividência explícita e objectivamente verificável para criar teorias, um sistema e até uma doutrina na qual a tara sexual seja objectivamente um princípio orientador.

      4/ não devemos partir de um princípio de “autoridade de direito” quando trocamos ideias. Por exemplo, não devemos dizer o seguinte:

      “Em todo o caso já verifiquei que foi à wikipédia ler qualquer coisa sobre Singer. Nada mau. Conheço piores. Como sabe se procurar na internet estas manifestações de ódio em relação a Peter Singer são comuns. Só que são sempre erradas. E no meu caso específico, o Orlando erra no alvo pois se tivesse lido com atenção o que escrevi e deixasse a ira irracional de lado verificaria, entre outros aspetos, que eu não fiz em momento algum qualquer defesa idolátrica de Peter Singer. mas enfim…”

      Não devemos partir do princípio de que “o adversário da conversa é burro” (ataque pessoal ou ad Hominem). Podemos chegar a essa conclusão por análise lógica, mas nunca partir desse princípio. Muitas vezes não sabemos aquilo que o nosso adversário realmente sabe, e por isso a constatação da ignorância ou da sapiência em relação a alguém deve ser uma “constatação de facto” que decorre de conclusões lógicas.
      Os argumentos devem ser objectivos, e não meramente subjectivos. A filosofia é sinónimo de “objectividade”. Quem considera a filosofia como uma área de análise subjectiva, entendeu mal a filosofia.

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      Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 1:00 pm | Responder

  2. Outro aspeto que me esqueci: eu também ensino Platão. Uma visita à wikipédia em língua inglesa revela um autor muito mais radical que Peter Singer (se é que este é, sequer, radical). Para ser consequente deveria censurar-me o ensino de Platão. Não o faz por quê?

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    Comentar por Rolando Almeida — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 11:42 am | Responder

    • Caro leitor deste blogue:

      1/ confundir a situação de Platão, por um lado, e a de Peter Singer, por outro lado, é um sofisma que tem um nome: a “falácia de Parménides” — que consiste em colocar, em um mesmo plano de análise crítica, ideias de autores separados por mais de dois mil anos.

      Por exemplo, Aristóteles defendeu o infanticídio em um tempo em que não existiam os cuidados intensivos nos hospitais. Um professor de filosofia tem a obrigação de explicar aos alunos por que razão Aristóteles defendeu o infanticídio, ou por que John Locke defendeu a escravatura.

      As ideias devem ser colocados em um contexto histórico, e esse contexto histórico tem que ser explicado aos alunos em primeiro lugar. Não é possível ver a filosofia sem a História. E Peter Singer vive no século XXI, e não no século IV antes de Cristo. As ideias de Peter Singer são actuais; e portanto, não podemos colocar, em um mesmo plano de análise crítica, as ideias de Peter Singer e as de Platão ou de Aristóteles.

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      Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 1:20 pm | Responder

  3. […] Resposta a um comentário do professor de filosofia Rolando Almeida […]

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    Pingback por A trapalhada argumentativa do Rolando Almeida | perspectivas — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 9:12 pm | Responder


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