Deve haver gente em Portugal que se quer suicidar. É um facto. E sendo um facto, o blogue Estado Sentido deve pensar que deve haver uma lei da eutanásia “à La Carte” e “à vontade do cliente”. Porque é um facto social.
Segundo o raciocínio do escriba, qualquer facto social ou cultural justifica uma lei que o regulamente. Por exemplo, se existirem relações polígamas entre a comunidade muçulmana portuguesa (é um facto!), o Estado Sentido defende a legalização da poligamia — “porque é uma realidade!, e devemos olhar para a realidade!”. Segundo o Estado Sentido, o facto cria o Direito.
Para o escriba do Estado Sentido, os valores da ética dependem da utilização da força bruta do Estado:
“Se uns não hesitam em clamar que os adversários são intolerantes, outros logo ripostam que ser tolerante, em democracia, é saber perder, quando, na realidade, tudo isto tem muito pouco de discussão racional e a vitória agora alcançada foi-o apenas pela razão da força e não pela força da razão.”
Embora eu não seja grande admirador de Rousseau, vou citá-lo:
“Um direito digno desse nome não pode ser um direito que caduca quando a força bruta do Estado acaba”.
A ideia de “minoria”, cultural, comportamental ou étnica, é discriminatória, ou seja, é injusta — porque todos nós pertencemos, de uma ou de outra maneira, a uma qualquer minoria.
Enquanto que a rejeição da lei da adopção de crianças por pares de invertidos está conforme a vontade do povo, aquilo que o escriba defende (a adopção de crianças por pares de invertidos) é conforme com a aplicação da força bruta do Estado, e não pela força da razão. Os valores da ética devem ser racionalmente fundamentados, universais e intemporais — e não objecto de uma retórica barata e vulgar.
O facto não cria o direito: nem quando Cálicles defendeu a lei do mais forte, nem quando hoje se faz tábua rasa do direito de uma criança adoptada a ter referências reais das representações dos dois sexos na sua educação (que não é apenas “criação”) — o que também é uma forma de “lei do mais forte” exercida sobre seres humanos (as crianças) que se encontram em uma situação fragilizada.
Se for verdade “que qualquer democracia liberal digna desta qualificação não referenda direitos humanos nem direitos de minorias, como é o caso das pessoas em causa num processo de co-adopção”, então quaisquer putativos “direitos” de uma qualquer minoria (por exemplo, o “direito” ao casamento polígamo) não serão nunca referendáveis, por um lado, e, por outro lado, a afirmação legal desses putativos “direitos” de uma qualquer minoria depende apenas do poder discricionário e arbitrário e circunstancial de uma elite eleita em um determinado momento. E é este tipo de intelectualóide de urinol que defende a “democracia liberal”. Ou seja, “a democracia joga aos dados”.
A ideia de “minoria”, cultural, comportamental ou étnica, é discriminatória, ou seja, é injusta — porque todos nós pertencemos, de uma ou de outra maneira, a uma qualquer minoria.
A ideia de “minoria” (que tem origem no marxismo e evoluiu do conceito de “luta de classes”) é discriminatória em dois sentidos: positivo, porque concede a um determinado grupo (cultural, comportamental ou étnico) “direitos especiais” que só são possíveis através do exercício da força bruta do Estado; e negativo, porque cria guetos sociais e culturais em nome de uma alegada e pretensa “igualdade”.
O conceito de minoria só faz sentido racional se entendermos a sociedade como um todo (dos que votam de uma maneira em um determinado aspecto da vida social, e dos que votam de outra maneira nesse mesmo aspecto), e sem que a dividamos em pretos, brancos, mulheres, homens, lésbicas, etc..
Por exemplo, eu posso pertencer a uma determinada minoria e fazer parte, simultaneamente, de uma maioria em outro domínio qualquer. Defender putativos “direitos de minorias” nada tem de liberal, porque o que a democracia liberal dá ao indivíduo (ou seja, à pessoa e ao cidadão), em primeiro lugar, é o direito de definir a sociedade inteira através da sua vontade expressa no voto — e não defender alegados direitos de uma qualquer “minoria”.
É o direito, inalienável, ao referendo, que se nega hoje em nome daquilo a que se chama, de uma forma eufemística e discriminatória, de “direitos das minorias”.
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