Muitos cristãos culpam Kant de ter sido o precursor do relativismo moral e do niilismo actuais. Em parte, é verdade, porque Kant separou o Saber (conhecimento), por um lado, do Absoluto (Deus), por outro lado — mas Kant não fez essa separação na ética. Portanto, Kant não foi o grande responsável relativismo moral e pelo niilismo actuais. Também não foi Nietzsche o precursor do relativismo moral e do niilismo actuais, porque Nietzsche só surgiu em finais do século XIX. O maior responsável ideológico pelo relativismo moral e pelo niilismo actuais foi Hegel.
Quando Hegel apareceu no panorama da filosofia alemã, a metafísica estava dividida em dois pólos: ou a realização do Absoluto depende do Homem, e neste caso não seria legítimo que o poder do Homem fosse singularmente limitado no domínio da teoria (Fichte, e mais tarde Hegel); ou é absurdo pensar que a realização do Absoluto seja função da actividade humana, mas, em vez disso, o Absoluto, não podendo ser conhecido (no sentido da ciência), é experimentado, sentido e intuído através da fé (Kant, Jacobi, Schleiermach, Schelling). Esta divisão conceptual ainda existe hoje, seja na ciência, seja na filosofia, seja na ética e na política. A diferença é a de que Hegel negou a transcendência do Absoluto e substitui-a por um Absoluto imanente, ou seja, espaço-temporal (coisa que Kant não fez).
Para que realização do Absoluto dependesse do Homem, Hegel criou dois conceitos (abstractos) que são hoje demonstrados falsos: o conceito de Puro Nada (que, segundo Hegel, o Puro Nada é a mesma coisa Puro Ser), e, baseando-se neste último, o conceito de Devir como resultado da interacção entre o Puro Nada e o Puro ser. Na primeira secção do Livro I da Ciência da Lógica (de Hegel), podemos ler o seguinte:
“O Puro Nada é uma simples igualdade consigo mesmo, o vazio, a indeterminação e a falta de conteúdo absoluto; a indiferenciação em si mesma. Na medida em que se pode falar aqui de pensamento (ou intuição), há uma diferença entre pensar (ou intuir) alguma coisa, ou nada. Não pensar nada, não intuir nada, tem um significado; há distinção entre os dois, e o nada “é” (existe) no nosso pensamento ou na nossa intuição, ou melhor, trata-se de um pensamento e de uma intuição vazios, como no caso do Ser Puro. O Nada tem aqui a mesma determinação, ou a mesma ausência de determinação que o Ser Puro e, por conseguinte, e a mesma coisa que ele.”
“Reduzir a filosofia à análise linguística equivale a supôr que só há pensamento alheio” — Nicolás Gómez Dávila
O conceito hegeliano de Puro Nada é linguístico e gramatical — foi Hegel que iniciou a desconstrução da linguagem que atingiu o seu clímax com Heidegger e Derrida, e de que hoje padecemos todos de uma forma confrangedora.
“A negação dialéctica não existe entre realidades, mas apenas entre definições. A síntese em que a relação se resolve não é um estado real, mas apenas verbal. O propósito do discurso move o processo dialéctico, e a sua arbitrariedade assegura o seu êxito.
Sendo possível, com efeito, definir qualquer coisa como contrária a outra coisa qualquer; sendo também possível abstrair um atributo qualquer de uma coisa para a opôr a outros atributos seus, ou a atributos igualmente abstractos de outra coisa; sendo possível, enfim, contrapôr, no tempo, toda a coisa a si mesma — a dialéctica é o mais engenhoso instrumento para extrair da realidade o esquema que tínhamos previamente escondido nela.” — Nicolás Gómez Dávila
A Física demonstrou que não existe “vazio” — no sentido do Puro Nada, de Hegel: “o vazio, a indeterminação e a falta de conteúdo absoluto”, segundo Hegel — em todo o universo. Não existe tal coisa como “vazio absoluto” no Universo. A filosofia não pode ignorar a ciência. Este princípio fundamental da metafísica de Hegel está errado!; e, portanto, toda a construção metafísica de Hegel está errada, porque parte de um pressuposto errado.
“O Devir — O Ser Puro e o Nada são, portanto, a mesma coisa. A verdade não é nem o Ser, nem o Nada, mas antes é o facto de o Ser ter passado para o Nada, e o Nada para o Ser. A verdade não é a sua indiferença, mas a sua não-identidade e a sua diferença absoluta; e, contudo, eles estão unidos inseparavelmente e cada um deles desaparece imediatamente no seu oposto. A sua verdade é, pois, o movimento de desaparição imediata de um no outro: o Devir. Movimento em que estão completamente separados, mas por uma diferença que imediatamente desapareceu.” — (Hegel, ibidem).
O conceito de Devir de Hegel é menos platónico do que uma vergôntea de Heraclito (a complementaridade dos opostos acaba por anular as diferenças entre eles).
Se não existe “vazio”, e, portanto, se não existe Puro Nada, o Devir não pode ser o resultado de uma qualquer relação entre o Puro Nada e o Puro Ser, porque o Puro Nada não existe enquanto tal. O conceito de Puro Nada não passa de uma abstracção que não tem aplicação no mundo objectivo inerente ao conceito de “Devir” entendido como “espaço-tempo”. Uma qualquer teoria metafísica só pode ser válida se a ciência não tiver já verificado o seu contrário ou a sua negação; e se a ciência já verificou que não existe “vazio absoluto” em todo o universo, não há como sustentar o conceito metafísico de Puro Nada — a não ser que esse conceito possa ser transcendental e, por isso, esteja para além do espaço-tempo (o que não é o caso do conceito de Devir, de Hegel, que é imanente).
Por outro lado, a ciência sabe hoje que o passado não desaparece. Por exemplo, quando um objecto físico (material) é absorvido por um buraco negro, aquele é destruído fisicamente, mas a sua fórmula física e atómica fica “registada”, por assim dizer, na estrutura periférica do buraco negro. Isto corresponde ao que a metafísica antiga e oriental chamava de “Akasha”.
Por fim, segundo a teoria quântica, o universo é criado e recriado (criado de novo) a cada segundo cósmico, ou seja, não existe tal coisa de “desaparição imediata” do passado no presente para formar o futuro. Acontece que as leis da natureza são confirmadas a cada recriação regular do universo, e é essa confirmação sistemática das leis da natureza que permitem a ordem do universo a que assistimos (Newton tinha razão quando dizia que Deus tem que fazer a manutenção do universo).
O físico Hans-Peter Dürr, sucessor na cadeira universitária de Heisenberg, escreveu o seguinte:
“Do ponto de vista da mecânica quântica, não há um mundo objectivável, existente permanentemente no tempo, mas, de certa maneira, este mundo acontece de novo em cada momento. O mundo de agora não é idêntico ao mundo no momento passado.”
Portanto, ficou aqui demonstrado que os conceitos fundamentais da metafísica de Hegel, de Puro Nada e de Devir, estão em contradição com a ciência física. E, por isso, toda a metafísica de Hegel não pode ser validada ou hipoteticamente considerada.
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