perspectivas

Quarta-feira, 20 Novembro 2013

O professor Rolando Almeida deveria ser proibido de ensinar filosofia

 

Transcrevo, na íntegra, um verbete do professor de filosofia Rolando Almeida destinado aos seus alunos (os sublinhados são meus):

“Nas aulas falamos que uma das teorias que procuram explicar a motivação para a acção é o egoísmo psicológico. Duas objecções principais foram apontadas ao egoísmo, a primeira que refere que o prazer que obtemos de praticar determinadas acções é apenas o efeito e não a causa de uma acção. Outra das objecções são as acções que parecem ser verdadeiramente altruístas e não egoístas. Uma das boas formas de compreender o altruísmo é assistir a este pequena palestra do filósofo altruísta Peter Singer. Vale bem a pena.”

E depois o professor Rolando Almeida publicou o seguinte vídeo:

Em primeiro lugar é absolutamente extraordinário que o professor Rolando Almeida se refira (em relação aos seus alunos, porque em casa dele pode referir-se ao que ele quiser) a Peter Singer neste contexto, porque é sabido que Peter Singer defende, por exemplo, o infanticídio, ou seja, o “direito” da mulher a matar os seus próprios filhos em um determinado período após o nascimento (o chamado “aborto pós-nascimento”). O que o professor Rolando Almeida está a fazer não é ensinar filosofia: antes, está a doutrinar os seus alunos em uma aberração ética — por exemplo, quando se refere a Peter Singer como “filósofo altruísta”, como se existisse algum altruísmo na defesa do infanticídio.

O altruísmo — ao contrário do que o professor Rolando Almeida e Peter Singer pensam — não tem origem em um cálculo racional, mas antes tem origem na sensibilidade ética adquirida pela educação (mas não o tipo de educação que o professor Rolando Almeida dá aos seus alunos).

John McDowell e David Wiggins demonstraram que a compreensão, por parte de um agente moral, de que um determinado estado de coisas — por exemplo, a situação da menina atropelada a precisar de ajuda — é uma razão para agir moralmente, não resulta de uma deliberação racional (cálculo utilitário), mas é sim da ordem da percepção imediata desse estado de coisas (neste caso, da situação da menina atropelada). Quem não agiu em consequência da situação da menina em causa, não é, por isso, destituído de capacidade de raciocínio: em vez disso, não possui a sensibilidade moral necessária que só a educação lhes teria podido fornecer; aquelas pessoas que passam ao lado da menina são absolutamente incapazes de ver o que a situação exige delas: não se trata de “egoísmo” no sentido vulgar do termo, ou no sentido de “amor de si”: antes, é falta absoluta de sensibilidade moral.

Uma pessoa que não tenha desenvolvido sensibilidade moral olha para a cena da menina estendida no chão de uma maneira neutra, ou mesmo com curiosidade, mas não entende a cena como solicitando ou exigindo a sua intervenção. Não podemos dizer que aquelas pessoas que passam pela menina estendida no chão percebem a aflição da situação e a urgência de intervir, e nem podemos dizer que aquelas pessoas não tenham desejado intervir: na realidade, essas pessoas não viram a aflição da situação da menina e a sua urgência. Muito simplesmente não perceberam a situação como a perceberia uma outra pessoa dotada de sensibilidade moral adequada. E o facto de este caso se passar na China revela o mal que um determinado regime político pode fazer à ética.

É isto que o professor Rolando Almeida deveria explicar aos seus alunos, em vez de se referir aos argumentos de “cálculo utilitarista racional” de Peter Singer. Dizer aos alunos que Peter Singer é um “filósofo altruísta” deveria dar direito a despedimento por justa causa.


Resposta ao verbete de Rolando Almeida com o título “Contestar não é o mesmo que criticar – Resposta aos posts do Orlando”, pode ser lida aqui.

4 comentários »

  1. Caro Orlando, em primeiro lugar deve dar-me os parabéns, pois creio que graças ao seu post sobre a minha suposta proibição de dar aulas no ensino secundário, teve um share bastante alto no seu blog. Cabe fazer alguns reparos ao seu post. Já conheço o post há algum tempo e confesso que nunca me dei ao trabalho de lhe responder, senão agora mesmo.
    Em primeiro lugar as minhas turmas são-me atribuídas pela Direção da Escola que trabalho. Os alunos são obviamente “meus alunos” de filosofia e não de outro professor.
    Em relação ao Peter Singer, realmente lamento o seu comentário, que revela desconhecer completamente (sublinho o completamente) o que escreve Peter Singer. Teve uma reacção imediata que só lhe ficou mal. Mas não vou entrar aqui na discussão dos argumentos de Singer. É engraçado pois Singer é bastante atacado, mas é até um filósofo suavezinho. Admite que o aborto não envolve problema moral, mas só em certas circunstâncias. Admite que não devemos comer animais, mas só em determinadas circunstâncias. Talvez por ser famoso desperte a ira irracional de pessoas como o Orlando. Mas vamos supor que Singer até defendia, como alguns filósofos o fazem, que não existe qualquer problema moral no infanticídio em determinadas circunstâncias? Segue-se daí que não devam ser abordados tais argumentos quando se pensa filosoficamente sobre o assunto, mesmo em aulas do secundário? Com que seriedade se eliminam uns autores e se aceitam outros? Foi capaz de pensar nisto antes de escrever a parvoíce que escreveu? No vídeo Singer defende uma perspetiva altruísta, concorde-se ou não com a mesma. Eu próprio discordo de muitos aspetos da teoria. mas o que fez o Oralndo? Armou uma cowboiada para me destruir pessoalmente, o que é lamentável. Uma pessoa inteligente não faz esses ataques pessoais. Pelo contrário mostra porque não concorda. O que o Orlando faz é classificar o infanticidio como uma “aberração moral”. Será mesmo que se souber que uma criança está a sofrer sem qualquer possibilidade de recuperação, com nenhuma expectativa de vida ainda assim acha que não temos pelo menos razões para pensar se o infanticídio não será aceitável em determinadas circunstâncias? O Orlando talvez pense que os filósofos defendem que se matarmos crianças vamo-nos todos divertir à grande. Infantilidade a sua. Tudo o que diz é ingénuo, pouco substancial e ofensivo para a minha pessoa.
    Para terminar. Não é comum de todo abordar Peter Singer nas minhas aulas. Como deve saber sou autor de um manual de filosofia para o 11º ano. Nesse manual abordamos o problema moral do aborto. Para a nossa abordagem destacamos a posição de uma filósofa com uma posição pró escolha e um outro com uma posição pró vida. Em função de qual dos autores abordados eu deveria ser impedido de dar aulas?
    Eu acho realmente que o Orlando devia ser proibido de escrever para não cair outra vez no ridículo que caíu.

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    Comentar por Rolando Almeida — Domingo, 6 Julho 2014 @ 8:20 pm | Responder

  2. […] meu verbete, o professor de filosofia Rolando Almeida escreveu um comentário que pode ser lido aqui, ou aqui em PDF depois de corrigido para português correcto. Segue-se a minha resposta ao […]

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    Pingback por Resposta a um comentário do professor de filosofia Rolando Almeida | perspectivas — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 10:10 am | Responder

  3. […] que existiu uma intencionalidade, da minha parte, em ganhar “share no Google” ao escrever este meu verbete, essa opinião é inqualificável senão à luz de um cinismo de um interlocutor que me […]

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    Pingback por A trapalhada argumentativa do Rolando Almeida | perspectivas — Quinta-feira, 10 Julho 2014 @ 9:12 pm | Responder


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