“Deus e o universo não são a mesma coisa” — escreve-se aqui. E estou totalmente de acordo. Mas o seguinte parágrafo do texto não faz sentido:
“Para Deus se conhecer como o Todo, Deus tem em primeiro lugar de não se conhecer como o Todo. Através do ser humano e de todas as entidades físicas Deus conhece-se como partes do Todo, e assim fornece a si próprio a possibilidade de se conhecer como o todo na sua própria experiência.”
Ou eu estou a interpretar mal, ou o parágrafo é absurdo.
Esta forma de conceber Deus é de Espinoza — “Deus sive natura”. Portanto, é uma forma de imanentismo; não é bem o panteísmo puro e duro dos estóicos, mas é um panteísmo depurado porque retira a Deus o conhecimento apriorístico e a intencionalidade na Criação — porque se Deus tem que “aprender” com a Criação, então não pode ser ele a origem da própria Criação.
Espinoza, por sua vez, baseou-se na escolástica árabe e judia de fins do primeiro milénio e princípio do segundo milénio d.C..
Por outro lado, o segundo parágrafo coloca o Homem e Deus em uma idêntica base ontológica:
«Só podemos "experienciar" o que somos, "experienciando" o que não somos, mas da mesma forma que somos aquilo que não somos, também o universo é aquilo que não é. É esta dicotomia "ser e não ser" que prova claramente que Deus e o universo não são a mesma coisa.»
Não é possível qualquer analogia entre a criatura e o criador, porque a causa não pode ser confundida com o efeito, porque, caso contrário, não seria causa. Se a causa se mistura com o efeito, então não é causa, mas antes é “continuidade” de uma coisa na outra — e neste caso, teríamos, ainda assim, que procurar uma causa. Criatura e criador são coisas radicalmente distintas.
A experiência humana não tem nada a ver com o estatuto ontológico de "ser humano" (no sentido de Ser um ser humano). O estatuto ontológico de ser humano é independente da experiência, no sentido em que o estatuto ontológico da consciência humana existe, à partida, por si mesmo e sem necessitar da experiência.
O que a experiência (no mundo físico) traz ao ser humano é a evolução da sua consciência (essa evolução é, simultaneamente, individual e colectiva) — assim como uma criança evolui aprendendo na escola (isto é uma analogia, e não uma comparação), sem que seja legítimo dizer que essa criança não tinha consciência antes de entrar para a escola: a consciência já estava lá, embora em bruto.
Ademais, não há forma de “não Ser”, e portanto não existe dicotomia nenhuma entre “ser”, por um lado, e “não Ser”, por outro lado. A ideia do “não Ser” é imanentista e reduz o Ser ao espaço-tempo; é idealista e hegeliana. Desde logo, uma definição do Ser é “circular” (redundante), e por isso, absurda:
“Não se pode tentar definir o Ser (…) pois não se pode definir um termo sem começar por “é”, quer se exprima, quer se subentenda. Por conseguinte, para definir o Ser seria preciso definir “é”, e assim usar o termo na sua própria definição” — Pascal
Mesmo que se considere (como alguns consideram) que Pascal confunde o verbo “ser”, por um lado, com o substantivo “Ser”, por outro lado, o Ser não tem definição, da mesma forma que não é possível definir “realidade”.
Por exemplo, seria absurdo que alguém defendesse uma dicotomia entre “realidade”, por um lado, e “não realidade”, por outro lado — porque para haver dicotomia entre dois conceitos, esses dois conceitos terão que ser previamente reduzidos a uma definição (noção).
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