No FaceBook encontrei o seguinte trecho:
« O que eu vou dizer poderia dar pano para muitas mangas, mas estou um pouco cansado de falar e de escrever. A principal razão que me levou ao cansaço de escrever é uma espécie de inevitabilidade do mal.
Parece que toda a gente sabe que as coisas estão mal em muitos aspectos da nossa vida, eu por exemplo sei o que vai mal no ensino. Mas fazer alguma coisa contra o sistema parece mal, parece que somos nós os inadaptados, os doentes mentais a quem custa obedecer seja ao que for.
E vamos calando e aceitando com receio que sejamos vistos como anormais, quiçá mesmo esquizofrénicos ou algo que o valha. Sabemos que está mal, que vai ser cada vez pior e vai acabar muito mal, mas sentimo-nos impotentes para evitar o desastre. »
Dois enormes intelectuais do início do século XX, Max Weber e Alexis de Tocqueville (para não falar em outras personalidades mais radicais, como Fernando Pessoa, René Guénon ou Julius Evola, que se opuseram à modernidade), tiveram perspectivas da realidade semelhantes às exaradas no texto supracitado (ler aqui o texto completo em PDF).
Perante a imposição cultural e quase absoluta da mentalidade utilitarista, tanto Weber como Tocqueville estavam convencidos de que a cultura utilitarista produz um tipo de homem decadente – “homem” entendido principalmente como “indivíduo”, e só depois como colectivo -, por um lado, mas por outro lado estavam ambos convencidos que seria totalmente inútil opor-se a uma dinâmica histórica que, segundo os dois, se reveste de um carácter de fatalidade. Ambos se dedicaram a procurar as origens propriamente religiosas desta doutrina utilitarista que nega o valor à religião e à ética axiológica universal. Weber entra num “desencanto em relação ao mundo”, e Tocqueville aceita, mas apenas e só enquanto cristão, este homem moderno.
Este conceito de “homem moderno” a que se refere Weber e Tocqueville obedece a um preconceito evolucionista que foi traduzido, nomeadamente, por Herbert Spencer com que ele explicava as sociedades industriais, e de acordo com o qual todos os fenómenos da natureza – incluindo o ser humano – passam fatalmente de uma “homogeneidade indefinida, incoerente, para uma heterogeneidade definida, coerente” (Spencer, “Primeiros Princípios”, 1862). Ou seja, para Spencer e para os liberais, quanto mais atomizada é uma sociedade, mais evoluída, desenvolvida e moderna ela é; mas quando a atomização das sociedades europeias levou aos totalitarismos do século XX, nunca os liberais colocaram em causa esta teoria, ou sequer admitiram uma qualquer ligação lógica entre a visão liberal spenceriana da evolução da sociedade, por um lado, e os totalitarismos do século XX, por outro lado.
Herbert Spencer (e os liberais, em geral) invertem a finalidade da sociedade. A existência do individuo para a sociedade, que existia antes da imposição cultural utilitarista do modernismo, passou a ser a existência da sociedade para o indivíduo. De um extremo, caiu-se noutro extremo; do oito passou-se ao oitenta.
Parece que existe uma “dinâmica histórica” contra a qual, segundo Weber e Tocqueville, é impossível qualquer oposição. Parece que só nos resta baixar os braços e deixar fluir a “dinâmica histórica” do nosso tempo. Parece que não há nada a fazer contra a “dinâmica histórica”.
Durkheim – que não era, de todo, um conservador, na sua época – contesta esta visão da fatalidade do mundo e de dinâmica histórica fatal. Segundo Durkheim, Spencer engana-se quando subordina o conceito de “organização da sociedade” ao princípio económico de “utilidade”. Da atomização da sociedade não pode surgir nenhum poder regulador, mas antes prevalece apenas o conflito de forças antagónicas e contraditórias, que estabelecem, na sociedade, relações efémeras e instáveis.
Segundo Durkheim, o primado da liberdade negativa na modernidade – que funda a cooperação entre indivíduos ao mesmo tempo que erradica a solidariedade – não é fundamento de unidade social: a luta de interesses particulares passa a ser um fenómeno sem fim e em constante renovação. A cooperação liberal não pode fundar a solidariedade social, porque defender esta tese é tomar o efeito pela causa: o ser humano é, em primeiro lugar, solidário, e só depois, e em função da solidariedade, ele coopera, celebra contratos, troca bens e serviços, etc.. Antes da cooperação entre seres humanos, está a solidariedade orgânica que insere o indivíduo num Todo que o ultrapassa e o transcende.
Portanto, verificamos que a “fatalidade da dinâmica histórica” pode ser explicada por uma imposição das elites – a ruling class – que comanda o Poder político. Ou pode ser explicada por uma determinada mundividência ideológica sintética e sincrética, imposta na cultura antropológica, pelas elites. Mas uma coisa é certa: as elites também se decapitam, como a História bastamente nos tem demonstrado.
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