perspectivas

Segunda-feira, 27 Agosto 2012

A liberdade depende das elites

Filed under: Política,Ut Edita — O. Braga @ 8:02 pm
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No seu livro O Barão Trepador [Lisboa, 1986, Editora Teorema], Ítalo Calvino escreveu, mais ou menos isto e cito de cor, que o intelectual deve participar nos eventos sentado nos ramos das árvores: aquilo que perde por não ter os pés assentes no chão, ganha por ter uma visão panorâmica dos problemas. Afinal, para ter os pés assentes no chão temos, em princípio, os políticos: é para isso que eles servem ou deveriam servir.

Isto significa, segundo Calvino, que o intelectual deve ser crítico mesmo em relação à tendência política que perfilha ou com a qual simpatiza. E qualquer pessoa — e por maioria de razão, os intelectuais — amante da liberdade deve ser crítico em relação aos políticos que alegadamente defendem a liberdade. Desde logo, e ao participar nos eventos sentado nos ramos das árvores, o intelectual é apartidário não sendo apolítico. O intelectual que se senta no chão junto com os políticos é um “intelectual orgânico” — segundo Calvino e até Norberto Bobbio — e não um intelectual propriamente dito. O intelectual orgânico não consegue ter a visão panorâmica dos eventos que o pensador necessita.

Se eu gosto de liberdade? Gosto. Gosto de ter a liberdade, por exemplo, de escrever isto. Não podemos ser contra a liberdade e depois desfiarmos queixumes por não a termos. Não podemos ser contra a liberdade utilizando a liberdade para ser contra ela.

A liberdade está ligada à democracia? Depende. Depende das elites na democracia, como a existência da liberdade dependeu sempre das elites ao longo dos tempos. Passa-se algo similar com o estatuto da mulher: ao longo dos tempos e nas sociedades em que a mulher adquiriu um estatuto social mais complexo — por exemplo, em algumas sociedades da Idade Média —, a sociedade só ganhou com isso. E tanto o estatuto da mulher, como a liberdade existente dentro das corporações medievais, dependia das elites de cada momento histórico. A democracia actual não foge à regra.

Portanto, a ideia segundo a qual a democracia é necessariamente sinónimo de liberdade, é errónea. A ideia segundo a qual o processo de legislação e promulgação segundo o formalismo do Direito Positivo, aplicado à democracia representativa, é sinónimo de liberdade, é errónea. Depende das elites, agora como sempre. E se temos hoje uma elite corrupta e/ou amoral que confunde propositadamente liberdade com libertinismo, de nada nos serve a democracia: a liberdade acabará sempre, com o decorrer do tempo e de uma maneira ou de outra, por ser restringida e coarctada.

1 Comentário »

  1. Por acaso há uma elite bem alapada à democracia representativa e assaz intelectual. É a Elite Estrela. Até escreve livros sobre português em brasileiro.

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    Comentar por Bic Laranja (@biclaranja) — Terça-feira, 28 Agosto 2012 @ 4:58 pm | Responder


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