Por exemplo, a teoria económica de Hayek [por favor não confundir com a de Von Mises] tem consequências éticas, mas não é propriamente uma teoria ética; de forma semelhante, no marxismo, a teoria económica tem consequências éticas. Porém, no caso do Objectivismo de Ayn Rand trata-se, em primeiro lugar, de uma teoria ética — de uma mundividência metafísica — que tem certamente consequências económicas, políticas e culturais.
Sendo verdade que Mitt Romney é permeável ao Objectivismo de Ayn Rand, não podemos dizer dele que seja um conservador, porque existe uma incompatibilidade total entre o Objectivismo e a visão tradicional e conservadora cristã da sociedade. Aliás, é compreensível a sua eventual adesão ao Objectivismo porque Mitt Romney não é cristão; e por isso não foi, desde a primeira hora, o “meu candidato” [foi Rick Santorum].
Do ponto de vista da filosofia e da ética, o Objectivismo é paupérrimo e não tem nada de original senão um sincretismo pobre e mal construído entre Nietzsche e a corrente marginalista de Carl Menger e Walras. Nenhum manual sério — repito: sério — e completo de filosofia menciona Ayn Rand; ela simplesmente não conta para a história da filosofia. Por isso é que me surpreende que políticos próximos de Mitt Romney, como por exemplo Paul Ryan, sigam as ideias de Ayn Rand.
De Nietzsche, Rand foi buscar a noção de selecção natural darwinista que alegadamente determina as elites [social-darwinismo] e o desprezo pelo Cristianismo e pelos cristãos. De Carl Menger e do marginalismo, Rand foi buscar a noção utilitarista radical segundo a qual “é tão útil a oração para o homem santo, como é útil o crime para o homem criminoso” [sic]. E é esta síntese ideológica perigosíssima que parece estar a influenciar Mitt Romney.
Se eu fosse partidário de Obama, exploraria esta aberração ideológica até ao limite possível.
Quase todo o “conservadorismo”(ou que pretendem ser) no mundo anglo-saxão tem um flerte com Ayn Rand, como é o caso do belga fundador do Brussels Journal.
Me parece que esse utilitarismo é uma consequência natural, da raiz protestante desses países. Como explica o Pe. Paulo Ricardo, no protestantismo o cristianismo é invertido ao ponto em que Deus é quem serve ao homem. Isso é, esse Deus antropológico é útil na medida em que ele “ajuda” ao homem a construir o “paraíso na terra”.
Nos EUA inclusive, em tempos passados era comum a união de puritanismos cristãos, com feministas e afins. o feminismo americano em seus primórdios, tinha fortes laços com a WCTU, organização de mulheres cristãs que combatia o uso do Álcool. Dentre os feitos mais notáveis da WCTU, está o fechamento dos saloons.
Nessa aula sobre a história da Península Ibérica, o professor Marcelo cita, inclusive que um “viajante” muçulmano ou coisa assim, ao visitar paises católicos e protestantes, elogiou os países protestantes por serem duros com as mulheres de forma similar ao muçulmanos, e criticou “ibéria” dos visigodos(maioria católica governada por uma elite pagã) por serem liberais demais.
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Comentar por Marcelo R. Rodrigues — Quarta-feira, 8 Agosto 2012 @ 4:27 pm |
Marcelo:
Existe a ideia segundo a qual o utilitarismo, como doutrina ética, tem origem no protestantismo, na medida em que se associa a Reforma protestante ao capitalismo. Esta associação é verdadeira mas não tem nada a ver com o utilitarismo.
Pelo contrário, a Reforma rompeu com a ética de S. Tomás de Aquino e voltou radicalmente a Santo Agostinho e a S. Paulo; destruiu praticamente todas as influências da filosofia grega na religião (aristotelismo) e substituiu-as pela influência do Judaísmo (Antigo Testamento). Adoptou a ética voluntarista e intencionalista de Santo Agostinho, em detrimento da ética racional de S. Tomás de Aquino.
Portanto, se o Padre Paulo Ricardo afirma que o utilitarismo tem a sua origem na Reforma, está errado.
O Renascimento italiano já tinha revelado alguma tendência utilitarista — por exemplo, com Maquiavel —, mas não foi uma tendência sistematizada e organizada. Foram os teóricos franceses da Razão de Estado do século XVI — por exemplo, Bodin — que estiveram na origem da doutrina ética utilitarista, na medida em que deram a primazia à política em detrimento da ética [coisa que os primeiros calvinistas e puritanos, por exemplo, não fizeram].
O utilitarismo teve a sua origem, como sistema ético, num país católico: a França do século XVII; primeiro, com os fisiocratas e Boisguilbert, que iniciaram a redução da política à economia.
Dou um exemplo:
John Locke, que não era católico, teve duas fases ideológicas bem distintas. Na primeira fase, na sua juventude, escreveu os “Essays on the Law of Nature”, que não é uma obra utilitarista. Depois, Locke passou algum tempo da sua vida em França, onde conviveu com gente católica como Gassendi, Bernier ou Malebranche. E depois de ter convivido com esses católicos em França, Locke voltou a Inglaterra e escreveu o “Ensaio sobre o Entendimento”, que é uma obra hedonista e utilitarista.
Outro exemplo:
Adam Smith, o teórico do capitalismo, não era utilitarista! Ele adoptou uma ética a que chamou “ética da simpatia” que não era, de todo, utilitarista. A ideia segundo a qual o capitalismo é necessariamente utilitarista, está errada, assim como está errada a ideia de que o socialismo não é utilitarista.
O utilitarismo de Ayn Rand está ligado a:
1) Nietzsche — quem disser que as ideias de Nietzsche não são utilitaristas também está errado, porque se trata de um utilitarismo invertido. Um anti-utilitarismo tem que ser objectivo [como aconteceu com os primeiros calvinistas suíços], e não subjectivo. E por isso é que Nietzsche é utilitarista.
2) o Marginalismo consequencialista.
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Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 8 Agosto 2012 @ 6:11 pm |