Teresa Forcades nasceu em 1966, é médica, teóloga e monja. E é uma mulher extraordinária. Muito corajosa, fala claro e sem complexos.
Numa entrevista a um canal catalão defende que o capitalismo não é ético e faz a sua denúncia de uma forma desassombrada.
O Rerum Natura é um blogue com duas características essenciais: é cientificista e de esquerda.
O seu cientismo já eu tenho aqui denunciado bastas vezes. E quando o Rerum Natura mistura o cientismo com o socialismo, damos razão a G. K. Chesterton — que, neste caso em concreto, refere-se a “cientismo” quando fala em “ciência” :
“A coisa que realmente tenta tiranizar por intermédio do governo, é a ciência. A coisa que realmente utiliza o braço secular é a ciência.
O credo que realmente cobra o dízimo e cativa as escolas, o credo que realmente se apoia no castigo e no aprisionamento, o credo que realmente é proclamado não em sermões mas em estatutos, e que é propagandeado não por peregrinos mas pela polícia — esse credo é o grande mas controverso sistema de pensamento que se iniciou com o evolucionismo e acabou no eugenismo.
O materialismo é realmente a nossa igreja estabelecida; pelo que o governo lhe dará realmente o apoio na perseguição aos seus hereges.” — G. K. Chesterton, “Eugenics & Other Evils” (1927).
Em primeiro lugar, o Rerum Natura confunde mercado, com capitalismo. Em segundo lugar, o Rerum Natura confunde capitalismo, com Neoliberalismo. Em terceiro lugar, o Rerum Natura entra no maniqueísmo de esquerda: se o capitalismo não é ético, então, implicitamente, o socialismo é ético.
Naturalmente que o Rerum Natura irá dizer que “a confusão é da monja”, e não do escriba naturalista.
Mas a monja denuncia “o capitalismo não-ético”, enquanto que o Rerum Natura diz que “o capitalismo não é ético”. Está o leitor a ver a diferença?
Seria uma coisa semelhante se eu denunciasse “a ciência não-ética”, e alguém se aproveitasse da minha dica para dizer que “a ciência não é ética”. Se existe um capitalismo não-ético, isso não significa que todo o capitalismo seja anético. Por pequenos enviesamentos deste tipo podemos aferir da periculosidade do blogue Rerum Natura.
Se me disserem que o Neoliberalismo não é ético — desde e a partir dos seus próprios fundamentos filosóficos! — , estarei de acordo. Mas capitalismo não é Neoliberalismo. Nem o mercado é Neoliberalismo: sempre existiu mercado antes de Bentham, Carl Menger e os marginalistas, Stuart Mill, Ayn Rand e Hayek, e foi nesta linha de pensamento que se construiu paulatinamente o Neoliberalismo a que assistimos hoje.
Alguns tópicos a reter pelos leitores do Rerum Natura:
- No sistema ideológico neoliberal, “o homem rouba o homem”. No socialismo e/ou comunismo, esta proposição é invertida.
- O valor acrescentado pelo trabalho é materializado no ponto de venda [mercado]. O trabalho contribui para o valor das coisas produzidas, mas é o ponto de venda (o mercado) que define o valor das coisas. Sempre assim foi, desde que existe homo sapiens. Portanto, não podemos confundir mercado com capitalismo no sentido da ideologia neoliberal.
- As bases operacionais do capitalismo clássico foram estabelecidas por monges católicos franciscanos no século XII e XIII — por exemplo, os franciscanos criaram o prémio de risco (seguro de risco), a taxa de juro, e a retribuição de mais-valias por capital privado imobilizado —, e também pela ordem dos Templários até ao início do século XIV. Portanto, se a monja espanhola se referisse criticamente ao capitalismo tout cours, estaria a criticar, em primeiro lugar, a própria Igreja Católica.
- No seguimento das bases fundamentais do capitalismo lançadas pelos franciscanos, o capitalismo foi posteriormente aperfeiçoado pelos calvinistas suíços extremamente devotos, detentores de uma caridade extrema e de uma eticidade a toda a prova. O calvinismo espalhou-se pelo norte da Europa e chegou a Inglaterra através dos puritanos ou Quakers que, por sua vez, emigraram para os Estados Unidos no seguimento da repressão política que se seguiu à revolução inglesa do século XVII.
- A crise do capitalismo que descambou no actual Neoliberalismo começou com a revolução inglesa e com as ideias de Hobbes, Locke e Hume; prosseguiu com a revolução burguesa de 1789; seguiu com o utilitarismo de Bentham — que por acaso era colectivista. A partir de uma base utilitarista e materialista — que é comum tanto aos neoliberais como aos socialistas e/ou comunistas actuais — foi-se criando o monstro que transformou o liberalismo económico em Neoliberalismo (porque liberalismo económico não é exactamente Neoliberalismo).
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