perspectivas

Sábado, 28 Julho 2012

O cientismo é de esquerda

Teresa Forcades nasceu em 1966, é médica, teóloga e monja. E é uma mulher extraordinária. Muito corajosa, fala claro e sem complexos.

Numa entrevista a um canal catalão defende que o capitalismo não é ético e faz a sua denúncia de uma forma desassombrada.

via De Rerum Natura: O capitalismo não é ético.

O Rerum Natura é um blogue com duas características essenciais: é cientificista e de esquerda.

O seu cientismo já eu tenho aqui denunciado bastas vezes. E quando o Rerum Natura mistura o cientismo com o socialismo, damos razão a G. K. Chesterton — que, neste caso em concreto, refere-se a “cientismo” quando fala em “ciência” :

“A coisa que realmente tenta tiranizar por intermédio do governo, é a ciência. A coisa que realmente utiliza o braço secular é a ciência.

O credo que realmente cobra o dízimo e cativa as escolas, o credo que realmente se apoia no castigo e no aprisionamento, o credo que realmente é proclamado não em sermões mas em estatutos, e que é propagandeado não por peregrinos mas pela polícia — esse credo é o grande mas controverso sistema de pensamento que se iniciou com o evolucionismo e acabou no eugenismo.

O materialismo é realmente a nossa igreja estabelecida; pelo que o governo lhe dará realmente o apoio na perseguição aos seus hereges.” — G. K. Chesterton, “Eugenics & Other Evils” (1927).


Em primeiro lugar, o Rerum Natura confunde mercado, com capitalismo. Em segundo lugar, o Rerum Natura confunde capitalismo, com Neoliberalismo. Em terceiro lugar, o Rerum Natura entra no maniqueísmo de esquerda: se o capitalismo não é ético, então, implicitamente, o socialismo é ético.

Naturalmente que o Rerum Natura irá dizer que “a confusão é da monja”, e não do escriba naturalista.

Mas a monja denuncia “o capitalismo não-ético”, enquanto que o Rerum Natura diz que “o capitalismo não é ético”. Está o leitor a ver a diferença?
Seria uma coisa semelhante se eu denunciasse “a ciência não-ética”, e alguém se aproveitasse da minha dica para dizer que “a ciência não é ética”. Se existe um capitalismo não-ético, isso não significa que todo o capitalismo seja anético. Por pequenos enviesamentos deste tipo podemos aferir da periculosidade do blogue Rerum Natura.

Se me disserem que o Neoliberalismo não é ético — desde e a partir dos seus próprios fundamentos filosóficos! — , estarei de acordo. Mas capitalismo não é Neoliberalismo. Nem o mercado é Neoliberalismo: sempre existiu mercado antes de Bentham, Carl Menger e os marginalistas, Stuart Mill, Ayn Rand e Hayek, e foi nesta linha de pensamento que se construiu paulatinamente o Neoliberalismo a que assistimos hoje.

Alguns tópicos a reter pelos leitores do Rerum Natura:

  1. No sistema ideológico neoliberal, “o homem rouba o homem”. No socialismo e/ou comunismo, esta proposição é invertida.
  2. O valor acrescentado pelo trabalho é materializado no ponto de venda [mercado]. O trabalho contribui para o valor das coisas produzidas, mas é o ponto de venda (o mercado) que define o valor das coisas. Sempre assim foi, desde que existe homo sapiens. Portanto, não podemos confundir mercado com capitalismo no sentido da ideologia neoliberal.
  3. As bases operacionais do capitalismo clássico foram estabelecidas por monges católicos franciscanos no século XII e XIII — por exemplo, os franciscanos criaram o prémio de risco (seguro de risco), a taxa de juro, e a retribuição de mais-valias por capital privado imobilizado —, e também pela ordem dos Templários até ao início do século XIV. Portanto, se a monja espanhola se referisse criticamente ao capitalismo tout cours, estaria a criticar, em primeiro lugar, a própria Igreja Católica.
  4. No seguimento das bases fundamentais do capitalismo lançadas pelos franciscanos, o capitalismo foi posteriormente aperfeiçoado pelos calvinistas suíços extremamente devotos, detentores de uma caridade extrema e de uma eticidade a toda a prova. O calvinismo espalhou-se pelo norte da Europa e chegou a Inglaterra através dos puritanos ou Quakers que, por sua vez, emigraram para os Estados Unidos no seguimento da repressão política que se seguiu à revolução inglesa do século XVII.
  5. A crise do capitalismo que descambou no actual Neoliberalismo começou com a revolução inglesa e com as ideias de Hobbes, Locke e Hume; prosseguiu com a revolução burguesa de 1789; seguiu com o utilitarismo de Bentham — que por acaso era colectivista. A partir de uma base utilitarista e materialista — que é comum tanto aos neoliberais como aos socialistas e/ou comunistas actuais — foi-se criando o monstro que transformou o liberalismo económico em Neoliberalismo (porque liberalismo económico não é exactamente Neoliberalismo).

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