perspectivas

Sábado, 31 Março 2012

Os fantasmas de Rousseau (1)

Filed under: ética,gnosticismo,Ut Edita — O. Braga @ 7:44 am
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Rousseau criou uma “metafísica anti-metafisica”: a “moral do sentimento”, que se baseia na noção cristã de “piedade”, mas já sem o fundamento cristão do conceito de “piedade”. Seria como se nós separássemos a noção de “compaixão”, da própria natureza humana, abstraindo-a da sua raiz ontológica estritamente humana. E depois de separar aquilo que é inseparável — piedade e Cristianismo — Rousseau escreve [Contrato]:

“As ideias gerais e abstractas são a fonte dos maiores erros dos homens: nunca a gíria da metafísica permitiu descobrir uma única verdade, e encheu a filosofia de absurdos, que nos envergonham, assim que são despojados das suas palavras grandiloquentes.”

Ora, a noção de “piedade” é intrinsecamente cristã; não existia, como tal e codificada na cultura, na antiguidade clássica. Por exemplo, o próprio Aristóteles defendeu o infanticídio de crianças deficientes. Ao separar a noção de “piedade”, do Cristianismo e da ética cristã, Rousseau assume para si, como válida, uma “ideia geral e abstracta” e uma “metafísica anti-metafisica” que se reclama mais racional do que a metafísica tradicional.

Quando se separa a piedade, por um lado, da ética cristã, por outro lado, e se adopta a “moral de sentimento” de Rousseau, a ética entra na arbitrariedade de uma “ética da emoção” — que é intrinsecamente irracional — característica do nosso tempo. Repare-se nesta frase de Rousseau [idem]:

“O Homem nasceu livre, e por toda a parte se encontra a ferros.”

Esta frase poderia ter sido proferida, hoje, por um radical de esquerda; e será provavelmente proferida no futuro, e ad Aeternum, por todos os radicais vindouros. Esta frase poderia, também, ter sido proferida por um gnóstico da antiguidade tardia; a frase espelha a revolta gnóstica contra a própria condição humana, independentemente do tempo e da época.

Os estóicos foram os precursores da utopia moderna, e a visão de Rousseau de “felicidade”, indissociável do conceito estóico de “liberdade” [uma liberdade interior e subjectiva, em oposição, por exemplo, ao conceito de liberdade externa de Hannah Arendt], é uma visão utópica e gnóstica. Porém, o que mais me admira e impressiona, é como foi possível que uma utopia deste calibre pudesse ter sido levada a sério pela filosofia política do século XIX e XX — e ainda hoje…!

A verdade é que, por mais livre que o Homem seja, e seja qual for o conceito de liberdade que adoptemos, o Homem nunca deixará de se encontrar, por toda a parte, a ferros. E tão gravosos são os ferros do cárcere, em tempos de escravidão, como são os ferrolhos da alma da putativa liberdade do nosso tempo.

1 Comentário »

  1. A VONTADE DE LIBERDADE FOI E E TAO IMENSA QUE MUDAMOS DE CRENÇA,FILOSOFIA DE VIDA,TENTAMOS TIRAR ESSES GRILHOES DESDE QUE O HOMO SAPIENS APARECEU,MAS PARECE QUE QTO MAIS FORJAMOS O FERRO MAIS ELE MARCA,FERE,ETC…EXISTE A LIBERDADE MAS E TAO LIVRE QUE BATE ASAS E SOME SEM DAR A MENOR SATISFAÇAO E QUANDO MENOS SE ESPERA REAPARECE,RI,BRINCA,CHORA E VAI E VOLTA ,COMO SO ELA SABE E QUER…UMA ETERNA BUSCA DO TEMPO PERDIDO…

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    Comentar por Margareth Almeida — Sábado, 31 Março 2012 @ 1:55 pm | Responder


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