“Uma breve leitura do Código Civil fornecer-lhe-ia, creio, alguns dados importantes. O nascituro é, desde logo, sujeito de direitos. O que pressupõe a sua personalidade jurídica.”
Sobre este verbete, e no seguimento destoutro da minha lavra:
Já vimos aqui que uma “pessoa” não se limita à sua capacidade de ter direitos e deveres: a “pessoa” transporta consigo um valor e uma dignidade absolutos, sob pena do próprio adulto passar a ser destituído do estatuto de “pessoa” na medida em que lhe é negado o dever moral de considerar o outro ser humano — independentemente de ter auto-consciência e auto-determinação, ou não — como detentor de um valor absoluto.
O problema do infantícidio não pode ser colocado reduzindo-o ao Direito Positivo. Por exemplo, o acto homossexual foi legal [na antiguidade clássica], passou a ser ilegal, com o pós-modernismo passou a ser legal, e nada nos garante que não venha de novo a ser ilegalizado no futuro. O Direito Positivo não coincide necessariamente com uma ética fundamentada na natureza das coisas.
O Direito Positivo é hoje perfeitamente arbitrário porque — com o advento do império do subjectivismo pós-modernista na cultura política — submete sistematicamente a norma ao facto [sofisma naturalista]. Por este andar, o Código Civil terá o tamanho de uma biblioteca inteira.
O Direito Positivo actual tende a corromper a norma porque se debruça, cada vez mais e mais, sobre as excepções; as normas transformam-se paulatinamente nas próprias excepções. Este avolumar da excepcionalidade da norma, no Direito Positivo, e do fenómeno da submissão da norma ao facto estão directamente ligados a uma ideologia política coeva e vigente que defende a super-regulamentação da vida humana em todos os seus aspectos [ético, económico, político, cultural,social, etc.].
O Direito Positivo é hoje um instrumento de uma agenda política para-totalitária. Já não podemos dizer do Direito Positivo que é “Direito”, porque já não existe nele qualquer coerência ética. O Direito Positivo é hoje uma espécie de “capricho dos deuses” de Nietzsche.
Já nem sequer podemos escorar o Direito na ciência. Com o pós-modernismo, a ciência transformou-se, em grande parte, em cientismo, e o Direito Positivo tende hoje a reflectir a mundividência da ciência manipulada pelas ideologias políticas.
A questão é esta: se — de acordo com o Direito Positivo — o “nascituro é sujeito de direitos” e detentor de uma “personalidade jurídica”, o que é que fundamenta esses “direitos” e essa “personalidade jurídica”?
A resposta só pode ser uma: na medida em que o Direito Positivo é hoje desprovido de uma base ética coerente [uma “ética” sem espinha dorsal e, portanto, uma “ética anética”], e submete as normas aos factos ao sabor de um social-darwinismo que regula arbitrariamente o mercado das ideias, já não resta nada que possa fundamentar o facto de o nascituro ser sujeito de direitos e deter uma personalidade jurídica.
Ou, dito de outro modo: o facto de o nascituro ser [hoje] sujeito de direitos e ser detentor de uma personalidade jurídica deve-se a um mero acidente, e essa situação acidental pode ser alterada a qualquer momento e de acordo com o “capricho dos deuses” que determina o “mercado das ideias”.
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