perspectivas

Sábado, 19 Novembro 2011

Miguel Unamuno foi um católico?

Antes de mais, uma declaração de interesse: eu não gosto das ideias de Unamuno, essencialmente porque a criatura é a contradição personificada. É muito difícil encontrar um pensador que tenha sido tão incoerente quanto Unamuno. Mas essa incoerência nada tem a ver com a irracionalidade de algumas das suas ideias: existem pessoas que são “coerentemente irracionais”; eu nada tenho contra a irracionalidade desde que quem a personifica seja coerente com ela. O que eu não compreendo é como Unamuno foi um pragmatista em tudo que não diz respeito à religião, e exactamente o oposto do pragmatismo quando se refere à religião. “Não bate a bota com a perdigota”.

Leio aqui um artigo que defende a ideia segundo a qual Miguel Unamuno foi uma pessoa muito religiosa. Mas terá sido ele um católico? Isto porque religiões há muitas…

Existe um certo catolicismo que tem saudades de Salazar e de Franco. No caso espanhol, até entendo essa saudade: a Espanha não é propriamente uma nação: é uma manta de retalhos; e daí a saudade de um caudilho absolutista que, por coincidência histórica, até “alinhou” com a mundividência da Igreja Católica — mas nada garante que um possível futuro caudilho espanhol “alinhe” com a mundividência da Igreja Católica!

O que é grave, da parte de Unamuno, não foi ter apoiado Franco e as falanges fascistas espanholas; provavelmente, durante o double blind da guerra civil espanhola, teríamos que estar todos nós de um qualquer lado das duas barricadas. O que é grave em Unamuno foi que esse apoio ao fascismo espanhol decorreu do seu prévio repúdio em relação à monarquia encarnada pelo rei espanhol Afonso XIII [embora este rei tenha sido o pior inimigo de Portugal, mas não é isso agora que está em causa aqui].

Dizer que Unamuno foi uma pessoa católica é o mesmo que dizer, por exemplo, que Bonhoeffer também o foi.

Uma pessoa pode ser religiosa sem ser genuinamente católica. A religião verdadeira de Unamuno era a Espanha; o catolicismo foi para ele apenas um instrumento de acção política. E vem, desta “religião nacionalista” e telúrica, a contradição entre uma filosofia de acção [que implicitamente defende a liberdade do Homem], por um lado, e, por outro lado, o determinismo que inibe a liberdade do Homem segundo um putativo destino previamente traçado por Deus em relação aos seus eleitos [“España se salvará porque tiene que salvarse!”]; não estamos aqui muito longe da herança gnóstica da Escola de Port-Royal, do Jansenismo, ou do Calvinismo.

Um verdadeiro e genuíno católico apoia as ideias da Contra-Reforma, e principalmente subscreve a ideia de “futuros contingentes” de S. Tomás de Aquino. Para um verdadeiro católico, não existe um “povo eleito” previamente definido por Deus [“O futuro, a Deus pertence”, diz o genuíno católico]. Por isso, dizer que Unamuno foi um genuíno católico é negar a própria essência do catolicismo. E o problema é que a Igreja Católica está hoje infestada de anti-católicos gnósticos que se escondem por detrás de diferentes religiões políticas.

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