perspectivas

Quinta-feira, 30 Junho 2011

Bernard de Mandeville e a sociedade ocidental da ética anética

“Vícios privados são virtudes públicas” — Bernard de Mandeville

Se quisermos encontrar as causas ideológicas próximas do desastre ético que acontece hoje no Ocidente, teremos que recordar o bisavô da ética utilitarista: Bernard de Mandeville — mais conhecido em Inglaterra do princípio do século XVIII, como “Man Devil”. Normalmente, dizemos que Bentham foi o avô da ética utilitarista, e é verdade; mas o conceito de “maior felicidade para um maior número de pessoas” não é da autoria de Bentham, mas do outro bisavô do utilitarismo inglês: Hutcheson.

Bernard de Mandeville foi o ideólogo radical que fez o corte cultural com a ética humanista cristã, e contou sempre com o apoio claro e explicito de alguns sectores das elites inglesas ligadas ao Poder. Depois, o radicalismo ideológico de Bernard de Mandeville tornou-se numa hipótese, através de Hutcheson, Bentham e Hume; e mais tarde tornou-se aceite e mainstream através de Stuart Mill (filho) e Adam Smith.

É assim que uma ideia ou ideologia política completamente absurda e anética passa a ser aceite através do “progresso da opinião pública”: primeiro, aparece um maluco com umas ideias bizarras apoiadas por uma parte da elite social e política; depois surgem os intelectuais e académicos que transformam a teoria do maluco em doutrina; e finalmente, a loucura passa a ser dogma através da sua normalização legal. É o que vai acontecer com o “casamento” gay e com os putativos “direitos” gay: qualquer dia vai ser obrigatório baixar as calças.

Bernard de Mandeville nasceu na Holanda, embora se diga que teve origem francesa. Foi filho de médico, e ele próprio, médico. Trabalhou na Holanda mas muito cedo emigrou para Inglaterra (a Inglaterra e a Holanda estavam, naquela época, unidas pela dinastia de Orange).

Mandeville é o caso típico do indivíduo que utiliza uma determinada doutrina para defender exactamente uma sua contrária; ele utilizou a doutrina de Santo Agostinho para defender a sua nulidade e a sua impraticabilidade, e tudo isto com uma série de equívocos, falácias e absurdos. Desde logo, Bernard de Mandeville faz uma confusão entre “falsa virtude” existente na ética cristã, por um lado, e “hipocrisia”, por outro lado. Por exemplo, um indivíduo que se manifeste contra a matança dos animais em matadouro, e ao mesmo tempo coma carne, é um hipócrita; mas um outro indivíduo que defenda a mesma ideia do primeiro, mas tenha optado pelo vegetarianismo total, pratica uma falsa virtude, porque é sabido que um ser humano não pode viver a vida toda sem o consumo de carne. Portanto, falsa virtude e hipocrisia não são a mesma coisa.

Bernard de Mandeville considerou que a falsa virtude e a hipocrisia são a mesma coisa. E por isso criticou a sociedade inglesa da ética cristã. Defendeu, por exemplo, a ideia de que os ricos eram hipócritas porque apoiavam financeiramente as escolas para pessoas pobres; defendeu que as crianças pobres não deveriam ser apoiadas pelos ricos, porque considerava a caridade cristã como sendo uma forma de hipocrisia. Na opinião de Mandeville, seria necessário deixar os pobres sofrer as leis naturais e, sobretudo, regozijarmo-nos com a abundância de crianças pobres com mérito, educadas na resignação e na impotência, pois são “o maior e mais vasto benefício que provém da sociedade”. Bernard de Mandeville foi, de facto, o bisavô do utilitarismo e do liberalismo económico.

Contra os valores da virtude, Bernard de Mandeville propôs a prosperidade do vício. Segundo Mandeville, onde existem casas de prostitutas, há negócio; e portanto, na opinião de Mandeville, deveria existir uma casa de prostitutas em cada esquina da cidade de Londres. Mandeville chamou à sua ideia de prosperidade do vício, “mão invisível”, conceito que Adam Smith iria, mais tarde, adoptar.

Basicamente, a ideia de Bernard de Mandeville era a seguinte:

  1. já que o ser humano não pode atingir a perfeição ética preconizada por Santo Agostinho, então é preferível e mais útil ser um crápula, um vigarista e um imoral. Mandeville defendeu mesmo a legitimidade do assassínio: “mesmo os assassinatos têm a sua utilidade na perspectiva do bem-estar da colmeia” (in “A Fábula das Abelhas”).
  2. a utilidade é o fundamento da virtude, segundo Bernard de Mandeville. Alegadamente, segundo Bernard de Mandeville, a virtude existe exclusivamente porque é útil, e tudo o que não é útil não pode ser virtuoso.

É assim que podemos compreender, por exemplo, como o aborto — na nossa sociedade que herdou a ética utilitarista de Mandeville — se transformou já numa virtude: o aborto é hoje considerado útil, e por isso, já é considerado uma virtude. E já existem novos malucos que defendem a eutanásia para todos, alegadamente porque a eutanásia é útil, e portanto, passará também a ser uma virtude.

Para dar um porte aceitável às ideias de Bernard de Mandeville, surgiram os intelectuais e os académicos. É a esta tarefa que se dedicarão com sucesso Hutcheson, Hume e Adam Smith. O primeiro afirma que a acção que “consegue a maior felicidade para um maior número de pessoas”, não pode ser má. E dado que a utilidade é o fundamento da virtude, como se pode classificar, como vício e como imoralidade, aquilo que é útil? — interroga-se Hume. Portanto, segundo Hume, tudo o que é útil é bom. Por fim, Adam Smith excluirá habilmente a moral da economia, e Hayek é apenas o corolário lógico das ideias de um idiota útil que nasceu na Holanda em finais do século XVII.

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