perspectivas

Quinta-feira, 26 Agosto 2010

O FaceBook pode substituir um blogue ?

Filed under: cultura,Sociedade — O. Braga @ 7:55 am
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A generalização do uso do FaceBook de há um ano para cá, teve o condão de “limpar” a blogosfera; muitos dos blogues mais intimistas e subjectivistas fecharam portas e abalaram a fugir (como se diz no Alentejo) para o FaceBook que está apetrechado com os imprescindíveis comentários, e com a possibilidade de se escreverem Notas que, até certo ponto, parecem substituir os postais dos blogues.

Coisa muito diferente do FaceBook é o Twitter — e refiro-me à diferença entre os dois recursos cibernéticos em relação aos blogues. O Twitter é, por sua natureza, amigo dos blogues porque é exactamente o oposto daquilo que se espera de um blogue, por um lado, e funciona como um sistema de dicas para as visitas aos blogues, por outro lado. O mesmo não se passa com o Facebook, que dispõe da possibilidade de se escreverem notas longas (postais) com publicação de imagens.

Porém, o FaceBook não tem a visibilidade que tem um blogue, ou seja, uma nota escrita no Facebook, por mais comentários que tenha, nunca é escrutinada pelos motores de busca da Internet (Google, Yahoo, etc.) da mesma forma do que acontece em um blogue alojado no Blogger ou no WordPress. O Google Rank de uma Nota escrita no FaceBook é quase sempre igual a zero.

O FaceBook pode ser uma espécie de “blogue para os amigos”. Ao escrever uma nota no Facebook posso adicionar uma imagem — tal qual acontece nos vários sistemas de blogação. Porém, a probabilidade de uma Nota escrita no FaceBook ser lida por muita gente, e sobretudo a probabilidade de que um determinado assunto tratado numa Nota do FaceBook perdure na memória dos seus leitores — ambas as probabilidades são baixas. Acresce-se, a estas duas fracas possibilidades, a opacidade do FaceBook em relação aos motores de busca da Internet.

É certo que a cultura é conversação.

É através da comunicação entre as pessoas que se constrói a cultura. Isto significa que é a conversação que pode servir de incentivo à leitura e à auto-instrução, e não o contrário disto. Seria contraproducente que alguém procurasse adquirir conhecimentos, seja através da leitura ou mesmo de um comportamento de rato de biblioteca, sem que a conversação estivesse presente e a montante da investigação. A gente lê porque conversa, e não conversa porque lê.

O problema do FaceBook é que o tipo de conversação que lá se pratica é sintético; e isso acontece assim não só devido à forma como o FaceBook é construído, mas também devido ao modus vivendi contemporâneo.

O FaceBook reflecte a lufa-lufa contemporânea, daquela conversação que se resume a pouco mais do que o “Olá, tudo bem? Até logo!”. Pelo contrário, nos Diálogos de Platão, Sócrates e Fedro passeiam-se em Atenas em conversação amena e sem pressas, mas o conteúdo da conversação saiu do âmbito restrito das intimidades dos dois interlocutores, e passou a não ter lugar nem tempo através da leitura que não se compadece com as pressas.

Misturar uma Nota escrita no FaceBook que contenha um belíssimo poema de autor, com os seus postais de parede da mensagem sintética, é um contra-senso. Seria como se quiséssemos ter uma longa conversa com alguém no curto intervalo para o café que corta a manhã de trabalho em dois. O FaceBook reflecte o ritmo da nossa vida citadina, e não o ritmo das zonas rurais onde sempre podemos encontrar algum tempo disponível — e principalmente, a predisposição — para conversar.

O FaceBook tem o Chat — que se traduz em português como “conversa para boi dormir”. O Chat é muito mais diálogo intimista do que propriamente o tipo de conversação que alimenta a cultura e que se caracteriza essencialmente por uma participação abrangente. As conversas privadas entre Sócrates e Fedro só entraram na cultura através dos livros de Platão. Portanto, as conversas privadas entre duas pessoas — pelo menos, de uma forma directa — não são conversação no sentido da cultura.

Naturalmente que há quem possa dizer que o FaceBook é aquilo que nós quisermos que seja, no sentido da frase de André Gide : o que importa é a forma como olhamos as coisas, e não as coisas em si mesmas. Porém, existe um argumento forte contra esta posição: a própria estrutura do Facebook; a sua concepção teve como objectivo exactamente limitar e reduzir as possibilidades com que encaramos a realidade. Neste sentido, o FaceBook transformou-se (porque não poderia ser de outra forma) em uma espécie de tertúlia fragmentada em que quem entra e sai está-se borrifando para o que lá se passa.

E, em um cenário tertuliano deste tipo, o nível da conversação tende naturalmente a baixar, e os conteúdos das conversas, por acção da própria entropia cultural basista que rejeita a complexidade da realidade, reflectem a frugalidade e a efemeridade dos contactos humanos na sociedade coeva. Rapidamente o FaceBook se pode transformar em uma forma de anti-cultura, e mesmo em um meio de propagação e promoção de uma cultura niilista.

Em resumo: quando se pergunta se o FaceBook pode substituir um blogue, a resposta é não. Este mesmo postal ficará aqui à espera que alguém, que procure no Google, no Yahoo ou noutro motor de busca da Internet, o queira ler — ultrapassando, dentro do permitido pela efemeridade da nossa época, o lugar e o tempo. Porém, este mesmo postal publicado em uma Nota no FaceBook certamente desaparecia no olvido da conversação babeliana, apenas escassas horas passadas.

3 comentários »

  1. É tal e qual! Quando se tem algo de sério, ou que julgamos ter alguma importância/utilidade, a partilhar com os outros, nada como o nosso blogue onde sentimos que temos o controlo dos acontecimentos.

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    Comentar por Henrique — Quinta-feira, 26 Agosto 2010 @ 6:37 pm | Responder

  2. E sobretudo o facto de que aquilo que nós escrevemos não fica esquecido em algumas horas. As pessoas talvez não façam a ideia das visitas a postais antigos publicados aqui, vindas a partir do Google.

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 26 Agosto 2010 @ 7:07 pm | Responder

  3. Olá. Pesquisei no google: “Facebook substitui blogosfera” e apareceu-me este artigo que gostei de ler. Não tenho facebook, por opção, mas blogo há 6 anos. Há uns tempos para cá verifiquei que muitos blogs congelaram e nunca mais voltaram a publicar. Os blogueres passaram-se para o FB mas o pouco que conheço do FB dá-me a entender que é duma superficialidade perigosa para a mente humana. É pior do que assistir a telenovelas.
    Obrigado pela troca de ideias. Se quiser me visitar, deixo o endereço: PublicarParaPartilhar.blogspot.pt.
    Abraço.
    Rute

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    Comentar por ruteppp — Domingo, 14 Abril 2013 @ 9:01 pm | Responder


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