A morte de António Feio e de Bettencourt Resendes, com apenas dois ou três dias de intervalo, impressionou-me também porque os dois eram homens relativamente novos — o primeiro tinha 55 anos e o segundo 58. E digo “também” devido à proximidade temporal dos dois infaustos eventos, para além de a morte nos parecer um absurdo que transforma a própria vida noutro absurdo.
O Homem moderno segue Brecht nos seus versos : “Como vos pode tocar o medo / Vocês morrerão com todos os animais / E, depois, não há nada.” Esta é uma visão de uma ínfima parte da totalidade, sendo que essa ínfima parte é a própria humanidade e a condição humana. O antropocentrismo moderno, como em outros antropocentrismos do passado, consiste em tomar essa pequena parte pelo Todo. É perfeitamente razoável e racional pressupor que, do ponto de vista da Totalidade, a situação seja diferente.
A visão de Brecht significa a traição ao amor — segundo a concepção de Gabriel Marcel. Brecht trai o amor, porque não é possível a um ser humano que ama outro conceber a sua transformação em Nada, porque o amor encerra em si uma espécie de promessa de eternidade, e amar um ser humano significa dizer: não morrerás! Sendo o Homem experimentado como algo infinitamente valioso, a ideia de que a morte o transforma em Nada é a recusa a posteriori desse amor.
Contudo, é a visão de Brecht que tende a prevalecer hoje, por via da acção das religiões políticas. Uma visão puramente materialista e utilitarista da realidade leva-nos a encarar a vida como uma espécie de absurdo de Sísifo carregando a pedra todos os dias para o cimo da montanha. E assim, passamos todos a trair o amor que tínhamos antes da morte das pessoas que amávamos; transformamo-nos todos em traidores e hipócritas em potência.
Uma visão materialista da realidade não pode ser justificada, defendida e fundamentada racionalmente, senão quando ela faz referência ou retira inferências de uma ética teísta e transcendental. A ética materialista que se mantém hoje é apenas uma corruptela da ética cristã, à espera da traição do amor através da morte.
Juntando as ideias de Ortega & Gasset sobre o homem dos tempos de crise, e os esclarecimentos de Eric Voegelin sobre a imanentização do curso da história.
Em tempos de crises, o homem volta-se para dentro, o medo de que o “céu possa cair”, o faz se sentir como um peixe dentro de um aquário. Esse tipo de ambiente psicológico o torna propicio a abraçar teorias niilistas, ou masturbações intelectuais. É conhecido desde os tempos antigos que homens melancólicos se voltam para dentro.
Esse mesmo tipo de homem, quando olha o curso dos eventos políticos, tende a imanentiza-los ao invés de transcende-los , se for um religioso ele abraçara seitas que pregam a realização do paraíso na terra.
Se esse homem for um intelectual, ele abraçará teorias de teor gnóstico como a psicanálise, irá sistematizar suas angústias e fazer delas regras existenciais, como foi o caso de Nietzsche e sua teoria do super-homem(tomemos nota que o fato do próprio Nietzsche defender o super-homem como uma forma transcendência ajuda a confundir as coisas).
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Comentar por shâmtia ayômide — Domingo, 15 Agosto 2010 @ 8:09 pm |
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Uma marca do activismo gnóstico, desde os mais simples como as seitas misticas até os mais sofisticados como o materialismo de Karl Marx, é a crença num “fim” certo. Os misticos de tempos em tempos elaboram novas suspeitas para o “fim do mundo”, Karl Marx por sua vez aplicava evolucionismo a história, para ele a “ditadura do proletariado” era uma efeito inevitável da “evolução”. A outra marca é que para eles este “fim” sempre “está próximo de acontecer”.
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Comentar por shâmtia ayômide — Domingo, 15 Agosto 2010 @ 8:19 pm |
A mais nova onda misticóide em torno do fim do mundo, é a tal “profecia” Maia de que o mundo se acabará em 2012.
No ramo materialista, temos o ecologismo e o mantra rezado de que: “O planeta vai não vai aguentar, e vai acabar-se”
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Comentar por shâmtia ayômide — Domingo, 15 Agosto 2010 @ 8:23 pm |
Nietzsche seguiu uma tendência que já vinha de Hegel (e que Eric Voegelin denuncia em “A Nova Ciência da Política”) que consiste em chamar à imanência de transcendência. Através deste “truque” da linguagem e de alteração de conceitos, Nietzsche pretendia assim contribuir para a erradicação da noção tradicional cristã de transcendência.
Esta tendência para alterar a noção de transcendência, transformando-a em imanência, foi seguida por outros intelectuais como Heidegger e os existencialistas materialistas.
O próprio monismo idealista quântico de Amit Goswami revela essa tendência; mas Amit Goswami tem desculpa porque não é um filósofo, mas um cientista. Em vez de um monismo idealista quântico, deve-se propor um realismo transcendental quântico que englobe, pelo menos, três estruturas diferenciadas da realidade: a matéria, a imanência e a transcendência.
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Comentar por O. Braga — Domingo, 15 Agosto 2010 @ 8:27 pm |
As mortes de (…), impressionou-me?!
Concordância verbal: As mortes impressionaram-me.
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Comentar por chato pretensioso — Segunda-feira, 16 Agosto 2010 @ 12:53 am |
Em relação ao postal do “chato”:
Devo dizer que comecei por escrever “A morte de”, porque se pode dizer que Fulano e Sicrano tiveram “morte” (no singular). Depois do texto publicado, alterei para “mortes” e esqueci-me de rectificar a concordância verbal.
Mais devo dizer, por mais que as pessoas duvidem, que um texto destes “sai-me” em cinco minutos. Normalmente não perco tempo com revisões de textos, e por isso é natural que, ali e aqui, aconteçam pequenos erros.
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Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 16 Agosto 2010 @ 6:05 am |