perspectivas

Quinta-feira, 12 Agosto 2010

A fé e o dogma

Filed under: diarreias — O. Braga @ 5:44 am
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Existem diferenças entre teoria, doutrina e dogma. Uma teoria está aberta à discussão, uma doutrina estabelece um sistema de ideias que, segundo o teorema de Gödel, não identifica as suas próprias contradições, e o dogma fecha-se completamente em si próprio.

A teoria pressupõe um preconceito positivo — que está aberto à discussão — e o dogma pressupõe um preconceito negativo — aquele que inibe a discussão. A doutrina, como sistema de ideias, só pode ser globalmente colocada em causa ou questionada por outra doutrina que coloque em evidência as contradições da primeira (teorema de Gödel).

Por outro lado, não podemos confundir a fé religiosa com o próprio dogma, porque existe o dogma da anti-fé religiosa. O dogma pode existir no ser humano independentemente de ele ser religioso ou não.

Também não podemos confundir o dogma com o tabu cultural, ou considerar o tabu necessariamente como parte de um sistema dogmático. O tabu cultural tem as suas raízes no senso-comum essencial que não pode mudar, nas suas características principais, sem que se altere a natureza humana — o que é impossível senão através de uma mutação genética, ou da violentação sistemática da natureza humana através de engenharias sociais para-totalitárias (como acontece hoje).

O dogma religioso (porque existem outros tipos de dogma, como o dogma positivista, ou marxista, etc.) resulta da indizibilidade de Deus e da impossibilidade de definição da realidade. Da realidade, temos conceitos avulsos e dispersos, e não uma noção que a sintetize (definição); o dogma tem por finalidade efectuar essa síntese da realidade. Neste sentido, o dogma acaba por adquirir uma dimensão racional, que é a de sintetizar o irracional.

A noção de dogma é ambígua e ambivalente (é ambivalente enquanto noção, e não enquanto conceito), porque uma mesma dogmatização de conceitos pode ser utilizada ou no sentido positivo ou negativo. Como escreveu André Gide, a importância está na forma como olhamos as coisas, e não nas coisas em si mesmas.

O dogma ajuda o ser humano na sua fé religiosa, mas não a determina. O dogma, só por si, não transforma um homem não-crente em um homem de fé. A fé não é algo difuso que um dogma possa determinar. O dogma é ou pode ser apenas o catalisador da fé.

A fé é a consciência, no ser humano, da descoberta do valor divino, e ela mobiliza o desejo e o querer que se deixam moldar pela vontade e pelo juízo. A plena fé não é totalmente irracional, e portanto, não pode estar totalmente condicionada pelo dogma. É apenas o desejo sublimado que segue o dogma; contudo, a fé é muito mais do que a mera sublimação do desejo.

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