perspectivas

Sábado, 7 Agosto 2010

Estamos a caminho de um novo totalitarismo

É uma evidência que não pode existir uma cultura sem tabus. O que distingue as sociedades através dos tempos é o tipo de tabus vigentes, e é essa tipologia do tabu que determina a existência de uma civilização. Nem todas as culturas culminam em civilização exactamente pelo tipo de tabus culturais que possuem ou possuíram.

Partindo desta evidência, é legítimo perguntarmo-nos que tipo de tabus parece prevalecer na sociedade ocidental em mudança. Talvez a melhor forma de avaliarmos uma cultura é justamente através da análise ou dos tabus existentes, ou das tendências da evolução cultural para novos tipos de tabus.

Existe hoje a ideia generalizada de que a afirmação da liberdade individual é sempre uma afirmação de progresso cultural, social, civilizacional, etc . Porém, uma outra evidência é que a liberdade é ambígua e ambivalente — e retenho aqui o conceito de liberdade segundo o sociólogo e filósofo Georges Gurvitch. A liberdade tanto pode danificar como construir, conduzir para a perversidade como para a generosidade, voltar-se para o mal como para o bem, conduzir à degenerescência como ao progresso. Portanto, não é de todo linear que a liberdade conduza inexoravelmente ao progresso.

Uma outra evidência é que o sistema de tabus que sustenta uma cultura se baseia em um sistema de valores que o condiciona aprioristicamente. Em uma cultura, entendida na sua intersubjectividade, terá sempre que existir um consenso alargado sobre as características gerais reconhecíveis e distinguíveis da ética.

Por último, é óbvio que o sistema de tabus não deve estar a jusante do direito, mas é o direito positivo que se deve basear no sistema de tabus. Qualquer alteração do sistema de tabus realizada pelo direito deve ser fundamentada racionalmente, e não imposta discricionariamente pelas elites.


Constatamos, pois, cinco evidências: 1) não existe cultura sem tabus; 2) uma cultura pode ser classificada segundo os seus tabus; 3) a liberdade não significa necessariamente progresso; 4) são os valores, ou seja, a ética, que determinam o sistema de tabus; 5) a ética prevalece sobre o direito positivo.


O problema que nos depara é saber quais são os tabus culturais impostos coercivamente pela política correcta, por um lado, e saber se esses novos tabus são susceptíveis de ser aceites pelas massas, e se conduzem a uma afirmação positiva da liberdade e, portanto, ao progresso efectivo da sociedades ocidentais, por outro lado.

Sem entrar em grandes detalhes porque o espaço é curto, verificamos que a política correcta contemporânea, determinada pelas elites ocidentais, pretendem — aparentemente, porque a realidade é outra e totalmente diferente das aparências — a quadratura do círculo : a construção de uma cultura sem tabus, ou melhor, uma cultura onde os tabus passem a fazer parte exclusiva do foro íntimo de cada cidadão ou de grupos — culturalmente isolados entre si — de cidadãos. O multiculturalismo é uma das manifestações objectivas dessa política cultural que pulveriza os tipos de tabus por grupos sociais distintos, ou mesmo pelos cidadãos entendidos na sua individualidade.

A consequência e corolário, mais do que óbvios, desta política cultural coercivamente imposta pelas elites através de um direito positivo cada vez mais divorciado da lei natural, só pode conduzir a um fim: o reforço paulatino da repressão cultural e a construção progressiva mas consistente de uma sociedade totalitária.

Hannah Arendt explicou muito bem este fenómeno de construção totalitária através do conceito de “atomização da sociedade” levada a cabo não só pelos nazis mas também pelos marxistas. O novo totalitarismo que desponta parte de um conceito de total politização de todas as fases da vida humana através da redução do tabu ao mundo privado de cada indivíduo, o que resulta, de facto e na prática, na total despolitização do indivíduo e da sociedade — utilizando o conceito de Hannah Arendt de Entpolitisierung.

Na radical atomização da sociedade que é apanágio dos totalitarismos, não existe o “deserto político” das ditaduras vulgares (como a de Salazar ou de Franco em Espanha), nas quais ficava claro que os interesses e mundividência do tirano se opõem, e se impõem pela força, aos interesses e mundividências de uma maioria; no totalitarismo, existe antes uma ilusão de liberdade, dando a ideia generalizada de que a vida cultural e política não tem origem em uma força coerciva imposta pelas elites, mas antes que surge da espontaneidade social radicalmente atomizada. O totalitarismo convence as pessoas de que não vivem em um sistema totalitário.

É para uma nova estirpe de totalitarismo que as elites — que integra o multiculturalismo, o gayzismo e a respectiva Gaystapo, o abortismo e a insensibilização ética do indivíduo, o utilitarismo exacerbado que conduz ao niilismo e, enfim, o encapsulamento cultural do indivíduo e a atomização radical da sociedade —, através da política correcta, conduzem a sociedade ocidental em geral, e europeia em particular. Estamos a caminho de um novo totalitarismo.

2 comentários »

  1. Claro e óbvio!

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    Comentar por Henrique — Sábado, 7 Agosto 2010 @ 7:35 pm | Responder

  2. […] Em 2010, escrevi o seguinte: […]

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    Pingback por A “formação de massa” covideira é diabolicamente para-totalitária | perspectivas — Terça-feira, 23 Novembro 2021 @ 6:58 pm | Responder


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