perspectivas

Sábado, 5 Junho 2010

O fatalismo da Direita portuguesa, ou a estratégia leninista da “tesoura”

Foi a teoria económica marxista que, pela primeira vez na História, subordinou a política à economia quando reduziu o Homem e toda a História a meros sub-produtos do trabalho.

Deve a economia subordinar-se à política ? Para respondermos a esta questão, devemos olhar para o que se passou ao longo da História.

O argumento que justifica uma excepcionalidade histórica contemporânea, e segundo o qual “existe hoje uma globalização que nunca existiu” não colhe, porque sempre que, ao longo da História, os impérios se estendiam ao mundo então conhecido, ocorria um fenómeno de globalização à escala. O argumento da “evolução da técnica que permite a comunicação global quase instantânea” também não colhe, porque se parte do princípio de que aquilo que é produzido pelo ser humano tende a anular a sua liberdade, o que é um absurdo — não só a liberdade individual, mas essencialmente a liberdade política entendida como a manifestação de interesses das nações.

Desde que (pelo menos) existem documentos escritos que os interesses económicos e a expansão económica tem sido coordenada pela política. Por exemplo, a expansão helenística de Alexandre teve os interesses económicos subordinados à política. É inegável que a expansão portuguesa do século XV teve por detrás interesses económicos que estavam sujeitos à coordenação política do reino; o mesmo aconteceu em outros países europeus, como a Inglaterra ou a França. Portanto, não há dúvida de que, ao longo da História, os interesses económicos eram sancionados pela política.
E por que será que a situação mudou ? — se é que mudou.

A situação mudou quando surgiu — não a globalização actual, porque existiram outras globalizações no passado — o conceito sistematizado de “internacionalismo” introduzido pelo marxismo. Não foi a revolução francesa, de uma forma directa, a culpada pela alienação do poder político, até porque aquela reforçou o poder e a legitimidade do Estado-nação em detrimento dos empórios arquiducais na Europa. Nem foi a expansão do liberalismo económico de Adam Smith que submeteu a política nacional à economia, porque não podemos falar de uma “utopia liberal” propriamente dita no século XIX. Foi a teoria económica marxista que, pela primeira vez na História, subordinou a política à economia quando reduziu o Homem e toda a História a meros sub-produtos do trabalho.

A primeira conclusão a tirar é que antes da política e da economia, está a cultura.

A cultura é o conjunto de crenças, de conhecimentos, de ritos e de comportamentos tradicionais de uma dada sociedade. As manifestações culturais estendem-se desde as manifestações de religiosidade até às formas de organização do trabalho e aos costumes.

Foi a cultura que tradicionalmente determinou, em primeiro lugar, a política, e depois a economia. No estádio actual da nossa civilização, foi a cultura que inverteu a ordem histórica que tradicionalmente subordinava a economia à política, e essa cultura foi determinada pela religião política marxista. A cultura de uma sociedade tem um carácter normativo embora subconsciente; a teoria marxista entrou no subconsciente colectivo de tal forma que a própria “direita” actual a absorveu e utiliza alguns dos seus conceitos culturais e de forma inconsciente.

A segunda conclusão é a que a esquerda (marxista) não pode, por isso, evocar uma legitimidade para condenar a subordinação da política pela economia, porque a essência da doutrina da religião política marxista vai exactamente no sentido dessa subordinação.


O semanário “O Diabo” de 1 de Junho de 2010 traz um artigo com o título “E ninguém ouve Portas?…” . E sobre a matriz cultural imposta pelo marxismo à nossa sociedade, a páginas tantas, aparece a seguinte citação de Santana Lopes:

« Não podemos ser governados pela extrema-esquerda, tendo o P.S.D., com a actual liderança, a mesma posição que esses partidos. E a do CDS também é, por vezes, confusa. Então quem representa quem? Não podemos ter um presidente [da república] que promulga [o aborto e o “casamento” homossexual] quando se esperava o veto. A sociedade está desequilibrada e existem disfunções perigosas e as pessoas acabam por exprimir as suas revoltas de outras maneiras. A sociedade portuguesa até é muito suave ».

Na direita portuguesa existe uma convicção inconsciente — determinada pela cultura de influência marxista que se afirmou na nossa sociedade — segundo a qual a marcha da História vai no sentido inexorável da utopia, dos “amanhãs que cantam” e da construção do paraíso na Terra através de engenharias sociais que alterem a natureza fundamental da realidade e do ser humano.

Nesta “direita” cabem políticos como Cavaco Silva e Passos Coelho — políticos com evidentes limitações intelectuais. Estes existem como uns condenados a caminho do cadafalso ideológico, conformados com a sua caducidade política e cultural, reconhecendo o valor do mea culpa da religião política marxista, quase implorando para serem reeducados em um Gulag das ideias, ou mesmo reconhecendo a necessidade de uma metanóia que os salve.

E depois, existe a “direita cultural” da “estratégia de tesoura”, de Lenine. Desta “direita” fazem parte políticos como Paulo Portas que “fecham” à direita a estratégia política e cultural da esquerda. Quando a cultura [conforme definição supracitada] é ignorada propositada e sistematicamente para se focar a atenção do povo na economia — sabendo-se, como eles sabem, que a montante de toda a acção humana está a cultura — estamos em presença de fait-divers que tentam afirmar à “direita” a mundividência e a cultura marxistas.

Adenda : a ler : A diferença entre um conservador e um liberal

4 comentários »

  1. Uma das maiores pedras no caminho do marxismo cultural foi Leibnitz.
    .
    In essence, Adorno and Benjamin’s problem was Gottfried Wilhelm Leibniz. At the beginning of the eighteenth century, Leibniz had once again obliterated the centuries-old gnostic dualism dividing mind and body, by demonstrating that matter does not think. A creative act in art or science apprehends the truth of the physical universe, but it is not determined by that physical universe. By self-consciously concentrating the past in the present to effect the future, the creative act, properly defined, is as immortal as the soul which envisions the act. This has fatal philosophical implications for Marxism, which rests entirely on the hypothesis that mental activity is determined by the social relations excreted by mankind’s production of its physical existence.
    .
    http://www.schillerinstitute.org/fid_91-96/921_frankfurt.html
    .
    Esse trecho acima me inspirou a escrever um ensaio a sair sob o titulo de “O marxismo cultural versus masculinidade”.

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    Comentar por shâmtia ayômide — Sábado, 5 Junho 2010 @ 10:58 pm | Responder

  2. Meu Caro Orlando
    Só uma pergunta com uma fatalidade na resposta…mas que DIREITA? onde vislumbras essa “metáfora” cultural na actual sociedade Portuguesa?(ironia social-cínica)…Concordo, hoje retemos Marx para lá da Esquerda ( mas qual esquerda?) A cultura é a Cultura!

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    Comentar por Abel SOares Rosa — Domingo, 6 Junho 2010 @ 2:12 pm | Responder

    • É evidente que não existe uma Direita em Portugal — e por isso, a razão deste postal.

      A esquerda caracteriza-se pela influência gnóstica que recebeu da validação cultural revolução francesa. Não existe (na minha opinião) melhor forma de caracterizar a esquerda. E nesse sentido, muita da actual “direita” é de esquerda.

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      Comentar por O. Braga — Domingo, 6 Junho 2010 @ 2:33 pm | Responder


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