Para termos uma ideia mais precisa das origens do gnosticismo e do que este representa na modernidade, teríamos que abordar a História das Religiões — o mesmo quer dizer, a História do género humano e, principalmente da evolução da espécie do homo sapiens sapiens. O género humano é indissociável da religião; não é possível falar num evitando a outra. Neste sentido, a própria recusa desta associação natural entre o género humano e a religião é, em si mesma, uma característica do gnosticismo moderno.
Pelo menos a partir da invenção da escrita, é necessário interpretar Paul Ricoeur e a sua teoria hermenêutica da semiologia ou semântica geral. Ricoeur partiu do modelo estrutural dos conceitos de “Langue” (o código da linguagem como base sincrónica da evolução da linguagem) e “Parole” (a mensagem directa, imediata e particular do indivíduo, que se baseia no código da linguagem referido) de Ferdinand Saussure, para perceber como é que os símbolos, que traduzem as experiência humanas, persistem na cultura ao longo de milénios, pese embora exista uma evolução semântica, ao longo do tempo, entre o símbolo e o seu significado objectivo, embora se mantenham no código da linguagem os significados subjectivos e intersubjectivos.
Por exemplo: a recusa da natureza fundamental da realidade é uma característica comum ao gnosticismo antigo e moderno. Contudo, o objecto dessa recusa alterou-se: enquanto que o gnóstico antigo recusava a realidade da existência em nome do seu conhecimento esotérico e oculto em relação a Deus ou à divindade, o gnóstico moderno recusa a realidade da existência em nome do seu conhecimento esotérico e oculto em relação ao Homem (ou à condição humana; vêm daqui as “engenharias sociais”). Os símbolos do gnosticismo e da recusa gnóstica mantêm-se; apenas mudou o objecto. A experiência subjectiva gnóstica é idêntica; apenas mudou o objecto da experiência. Esta mudança é semântica, e não uma mudança de essência.
Por isso, é errado supor, como está escrito aqui, que o gnosticismo moderno perdeu o seu significado porque “passou a ser tudo”. Esta abordagem é simplista e politicamente orientada no sentido de desvalorizar a noção de “gnosticismo” na actualidade, recusando a tentativa da sua definição. A preocupação gnóstica com a recusa das definições é evidente.
Ademais, o autor do artigo critica o pensamento de Eric Voegelin sem dizer minimamente por quê, o que é típico do gnosticismo moderno — a crítica, seja ao que for, é anunciada em forma de slogan assumindo uma verdade apriorística irrefutável e, portanto, a crítica não necessita de fundamentação racional.
O gnóstico moderno não tem necessidade de fundamentar a sua crítica, porque qualquer fundamentação daria recurso a definições que ele recusa por princípio; basta-lhe conceber a realidade conforme ele a deseja, e fazer desse desejo a própria realidade.
O mesmo artigo “confunde” o tradicionalismo místico de Guénon ou Schuon, com o elitismo gnóstico — eugenista e racista — de Aldous Huxley. No entanto, o artigo foi colocado pelo Google no topo das pesquisas. Eu não tenho uma simpatia especial pelos dois primeiros, mas acho um atentado à inteligência que se façam analogias com o segundo. Enfim, o artigo consegue provar exactamente o contrário daquilo que pretende afirmar, ou seja, que o gnosticismo moderno é uma abstracção e que, por isso, não é susceptível de ser definido. O próprio artigo faz parte da definição de gnosticismo moderno.
AVISO: os comentários escritos segundo o AO serão corrigidos para português.