Como é possível o Estado retirar-se do casamento?
Sabemos que desde John Locke se defende que o poder do Estado e a sua esfera de competência não deve exceder o domínio público, embora o inglês não tivesse ido tão longe a ponto de dissociar o contrato do casamento da “testemunha estatal” ― para Locke, o Estado funcionava como uma espécie de “testemunha” de um contrato privado de casamento. Portanto, a ideia de “retirar o casamento do Estado” significa transformar o casamento em coisa exclusivamente privada a que o Estado é totalmente alheio ― coisa que nem Locke nem os liberais clássicos terão alguma vez pensado. E se eles não pensaram, quem pensou?
A ideia do insurgente ― que já antes tinha visto no blogue “blasfémias” ― não é original; nada que se pareça. Duas correntes defenderam o alheamento do Estado em relação ao casamento:
- o Anarquismo ― de Bakunin, Proudhon, Stirner, etc. ― para quem o Estado representava o “mal político” absoluto, sonhando com uma sociedade sem Estado em que as relações entre as pessoas seriam exclusivamente baseadas em associações mútuas ou em contratos privados;
- e o Marxismo que identifica o Estado com a classe dominante, e que por isso, para que essa classe dominante seja destruída, seria necessário a supressão do Estado, sendo que a “ditadura do proletariado” teria um “Estado provisório” até que, no final da luta de classes, este fosse completamente abolido.
Portanto, a questão lançada pelo insurgente ou pelo blasfémias acerca da retirada da “testemunha” do Estado do contrato de casamento entre duas pessoas [de sexo diferente, na minha opinião] tende a equiparar o contrato de casamento a um contrato privado de negócios entre duas pessoas [e porquê só entre duas pessoas?]
Porém, mesmo os contratos privados de negócios apoiam-se na lei criada pelo Estado através do desenvolvimento moderno da justiça comutativa que baliza e estipula os limites dos contratos entre privados. Não existe nem nunca existiu no mundo ― senão em uma sociedade hipotética onde existiria eventualmente o Estado Natural e em contraponto ao Estado Civil ― uma situação tal em que os contratos entre privados estivessem totalmente alheados de premissas legais estabelecidas pelo Estado. Os contratos de negócios entre privados existem delimitados por uma estrutura legal, e portanto não são totalmente livres.
Por outro lado, não podemos confundir um contrato de casamento com um contrato de negócios porque o que está em causa com o contrato de casamento é a estrutura-base da sociedade: a família. Se existem laços sociais que um ser humano nunca pode anular durante a sua vida, são os laços familiares e genéticos ― podemos anular um negócio privado mas não podemos nunca anular o facto que constitui uma paternidade [comprovada por testes de ADN, bem-entendido] ou uma maternidade.
O facto de o casamento ser anterior ao Estado não significa que o Estado possa viver sem uma qualquer forma de casamento, porque o Estado nada mais é do que a sequência lógica de uma sociedade que retirou o poder ao chefe tribal para colocar esse poder no Contrato Social. Defender o retorno ao Estado Natural ― que consiste na situação do Homem anteriormente a qualquer sociedade organizada, se é que esta é ou foi alguma vez possível ― não significa que o casamento deixe de ter a mesma essência da que tem hoje.
Em suma: a retirada do Estado do casamento é uma ideia de origem anarquista, uma espécie de mistura de Bakunin, Proudhon e Stirner ― não é marxista porque o marxismo mantém a validade de um “Estado provisório” que regula os casamentos até ao fim da luta de classes que nunca acontece ― e não é uma ideia liberal no sentido clássico (no sentido do individualismo económico). Mais: quem defende a retirada do Estado do casamento não pode defender uma sociedade capitalista pelas mesmas razões que o anarquismo também não defendia a propriedade privada.
Defender a retirada do Estado Civil do casamento e simultaneamente defender a propriedade privada, é uma contradição.
“Mais: quem defende a retirada do Estado do casamento não pode defender uma sociedade capitalista pelas mesmas razões que o anarquismo também não defendia a propriedade privada.
Defender a retirada do Estado Civil do casamento e simultaneamente defender a propriedade privada, é uma contradição.”
Esta sua afirmação não tem sentido. O Estado para ser “neutral” no assunto deveria mesmo retirar-se da tentativa de tipificar algo que depois esvazia de sentido (ao querer impor a enutralidade), o casamento devia ser livre e espontãneo entre as partes, formatado ou não por um contrato civil da vontade das duas partes.
Os contratos civis são uma emanação da propriedade privada.
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Comentar por CN — Terça-feira, 10 Novembro 2009 @ 12:28 pm |
@ CN
https://espectivas.wordpress.com/2009/08/31/laicismo-ou-totalitarismo/
“O mais ridículo no laicismo, é a ideia de alguns idiotas úteis laicos segundo a qual “o Estado não deve ser usado para impôr a moral”. Esta ideia é defendida pelos laicistas como sendo a demonstração da sua “neutralidade”, não se dando conta de que a sustentação da neutralidade moral é, em si mesma, não-neutral.”
O Estado neutral é não-neutral. É neutral para umas coisas e não-neutral para outras. A neutralidade é uma falácia e um sofisma.
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Comentar por O. Braga — Terça-feira, 10 Novembro 2009 @ 2:03 pm |
Penso que o direito de pessoas do mesmo sexo celebrarem um contrato de união, dentro de um quadro legal que estabeleça direitos e deveres, semelhante ao contrato de casamento entre homem mulher, não legitima que se use a designação de casamento. Existe uma petição on-line: http://www.peticao.com.pt/pareamento
Se o contrato entre pessoas do mesmo sexo não fosse diferente do casamento não necessitaria de legislação específica; é tão simples quanto isso.
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Comentar por José B. Almeida — Quinta-feira, 12 Novembro 2009 @ 10:37 am |