perspectivas

Terça-feira, 16 Junho 2009

As contradições do marxismo

Este artigo de Olavo de Carvalho faz uma análise objectiva do que significa o marxismo em termos práticos, e foi escrito de uma forma que toda a gente pode entender.

Nas últimas eleições europeias, dois partidos marxistas [Bloco de Esquerda e o Partido Comunista] conseguiram (os dois somados) mais de 20% dos votos. Naturalmente que muitos portugueses que votaram nesses dois partidos marxistas ou não sabem o que é o marxismo, ou desvalorizam a vertente ideológica dando mais importância às agendas políticas de circunstância e oportunistas que fazem a bandeira da “justiça” e da “igualdade”.
Porém, existem pessoas ― principalmente os mais jovens ― que acreditam na “fé marxista” como isenta de qualquer incoerência; é para as pessoas da “fé marxista” que escrevo este postal.


Existem quatro principais contradições no marxismo, uma das quais considerada como sendo “fundamental” porque não pode ser atribuída a nenhum factor circunstancial ― por exemplo, a inexperiência inerente à juventude de Karl Marx. Antes de abordar as contradições ideológicas, convém demonstrar como Karl Marx tentou negar a própria condição humana, ou seja, na medida em que Marx [e Engels, que compilou o pensamento de Marx] não aceitava a condição humana tal qual ela é determinada pela Natureza, criou um sistema ideológico que defendeu a desnaturação [a separação da sua natureza específica] do ser humano.

O que está na fundamentação ideológica do marxismo não é a “igualdade” e a “justiça”; estes aspectos são as projecções políticas da ideologia que são apresentadas aos povos. O que está na base da ideologia marxista é o corte filosófico com a ideia de “natureza humana” tal qual apresentada ao longo de séculos de pensamento tradicional.

O filósofo neocriticista Cassirer (1874 – 1945) descreveu a condição humana como decorrente da “diferença entre a linguagem proposicional e a linguagem emotiva”, diferença esta que representa a verdadeira fronteira entre o mundo dos humanos e o animal. Cassirer nada mais disse, embora por outras palavras, do que já tinha sido dito desde o tempo de Platão e Aristóteles. O que Karl Marx pretendeu foi um corte caprichoso com esta ideia de “ser humano” que racionalmente co-existiu com o pensamento tradicional. Para Marx, o que distingue o ser humano de um outro animal qualquer não é a Razão mas sim o Trabalho; a razão humana, para Marx, é subordinada à acção e por esta secundarizada, e o ser humano é assim genericamente comparado a uma formiga ou a uma abelha. Para Marx, o ser humano [com excepção dele próprio e provavelmente de Engels] é basicamente um animal irracional.

Na construção da teoria de Marx esteve presente uma necessidade de protagonismo pessoal que ditou uma sua revolta consciente em relação à lógica da filosofia tradicional, ou seja, Marx partiu da emoção ― e não da razão ― para construir o seu sistema ideológico, embora no decorrer da sua construção ideológica tentasse sempre racionalizar a base emotiva de onde tinha partido. A partir do exercício ideológico de base emocional, Marx eliminou a possibilidade da existência do “animal simbólico” segundo Cassirer: um ser humano não é só activo mas também detentor de pensamento, sentimento, linguagem, mito, arte, religião e ciência. Quando Albert Camus diz que “Marx é cristão” ― em contraponto a Nietzsche, que “é o grego” ―, refere-se exactamente à emoção gnóstica [fé metastática] que radica a construção do sistema marxista.

Portanto, o corte de Marx em relação ao pensamento filosófico tradicional teve uma base emocional, e não racional. Neste sentido, Marx colocou o ser humano no lado da fronteira existencial [no mundo da “linguagem emotiva”] onde, segundo Cassirer, o ser humano não se distingue dos outros animais porque lhe é recusada linguagem proposicional. Karl Marx animalizou o ser humano.


Tendo como base a referida “revolta consciente”, Karl Marx partiu de três afirmações cruciais:


    1.“O trabalho criou o Homem”;

    2.“A violência é a parteira de toda a velha sociedade prenhe de uma nova”;

    3.“Os filósofos têm-se limitado a interpretar o mundo de diferentes formas; o essencial, contudo, é transformá-lo”.

No primeiro ponto, Karl Marx segue à risca o ateísmo positivista aliado a uma visão darwinista específica que praticamente não distingue o ser humano de um outro mamífero qualquer. Portanto, Deus não existe; foi o trabalho, e não Deus, que criou o Homem. Aquilo que distingue o ser humano dos outros animais é o trabalho, e não a razão.
Mas depois da revolução, quando existir o “reino da liberdade” e o “trabalho for abolido” ― como Marx escreveu ―, que actividade humana restará?

No segundo ponto, Karl Marx desafia o pensamento filosófico tradicional segundo o qual a violência só se deve utilizar se não existir a hipótese de entendimento entre seres humanos através da palavra. Karl Marx glorifica a violência e despreza a palavra como forma de mediação de conflitos. Mas quando acabar a luta de classes, o que será feito da violência marxista?

No terceiro ponto, Karl Marx subordina o pensamento à acção, ou seja, subordina a razão humana ao trabalho animal. Mas quando ― no decorrer da revolução ― a filosofia for “materializada” (sic) e abolida, que tipo de pensamento restará?

A contradição fundamental consiste no facto de que entre a glorificação do trabalho e da acção ― enquanto antagónicas à teoria [contemplação] e ao pensamento [razão] ― e a defesa de uma “sociedade sem Estado” conforme defendida por Karl Marx , da ausência de Estado numa sociedade socialista e igualitária resultaria uma sociedade sem acção e praticamente sem trabalho.

16 comentários »

  1. Talvez ele devia ter mais desenvolvido o terceiro ponto.

    Contudo, foi muito interessante.

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    Comentar por D — Terça-feira, 16 Junho 2009 @ 11:41 am | Responder

    • @ D:

      OS 3 pontos não são de Cassirer. Nada de confusões… 🙂

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      Comentar por O. Braga — Terça-feira, 16 Junho 2009 @ 4:14 pm | Responder

  2. Agradeço que os comentários críticos a este postal sejam fundamentados. Comentários de tipo “você está errado porque está errado”, não serão publicados.

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    Comentar por O. Braga — Sexta-feira, 4 Junho 2010 @ 5:59 pm | Responder

  3. A segunda parte após “Tendo como base a referida “revolta consciente”, Karl Marx partiu de três afirmações cruciais”,com uma má tradução é do texto de Hannah Arendt e não de Olavo de Carvalho; se ele disse que é dele plagiou. Bom Arendt fez uma simplificação absurda ao reduzir aos tres pontos a filosofia de Karl Marx. A dialética marxiana é mais rica e complexa do que isso. Marx não negou a racionalidade humana, apenas afirmou que não é ela que o distingue dos outros animais, mas o trabalho. Há contadição apontada simplesmente não existe 1.Porque Marx fala do fim do trabalho estranhado e não da atividade humana do trabalho; 2. Marx não proprõe o fim do estado por decreto mas a organização em uma nova forma: a dos trabalhdires associados; 3. Marx não animalizou o homem ele condenou a animalização ocorrida na sociedade capitalista.

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    Comentar por Chico Xarão — Segunda-feira, 8 Novembro 2010 @ 2:22 am | Responder

    • 1.você deve ter uma animosidade especial por Olavo de Carvalho porque nem sequer se deu conta de que o texto do postal é meu, e apenas fiz referência a um outro texto do Olavo de Carvalho que não tem ver com este.

      2.As três razões apontadas não têm a ver com Hannah Arendt, mas antes são clássicas. Eric Voegelin aponta as mesmas razões na crítica que faz a Karl Marx, e foi em Eric Voegelin que me baseei para escrever o que escrevi. Hannah Arendt terá feito a mesma crítica mas baseando-se em filósofos da círculo de Viena — entre estes, Karl Popper, que provou que o “materialismo científico” não é científico (através do princípio da refutabilidade de Karl Popper).

      Aliás, Hannah Arendt sempre foi muito bem clara quando ela não se considerou nunca uma filósofa, mas apenas uma “filósofa política”. É claríssimo que a teoria não é dela; é óbvio que ela própria foi buscar esses argumentos a outros — argumentos esses que são clássicos. O próprio Heidegger (que foi íntimo de Hannah Arendt) defendeu essa mesma tese contra Karl Marx no final da década de 1920, quando ele mudou o rumo da sua filosofia e aderiu ao nazismo. Hannah Arendt copiou, simplesmente.

      3.Você diz, num primeiro momento, que Karl Marx não negou a racionalidade humana. E depois diz, num segundo momento exactamente a seguir, que Karl Marx afirmou que não é a racionalidade que distingue o Homem dos outros animais. A sua primeira assunção pressupõe que a racionalidade, que não foi negada (segundo você diz) por Karl Marx, é uma qualidade que distingue o Homem dos outros animais; mas a segunda assunção, que pressupõe a supremacia da acção sobre a razão, nega a primeira assunção. Existe uma contradição entre a primeira parte e a segunda parte da sua proposição.

      4.Você pode agora reinterpretar Karl Marx, dizer que aquilo que ele disse não foi aquilo que ele disse, mas aquilo que ele disse é antes aquilo que você diz. Mas a verdade é que Karl Marx falou em “abolição do trabalho”.

      Existe uma contradição: a) o trabalho criou o Homem; b) com a revolução final, o trabalho será abolido. Logo, aquilo que criou o Homem será abolido com a revolução. E por isso é que Karl Marx fala e anuncia o “fim da História” — porque o fim da História (segundo KM) é a abolição do trabalho que criou o Homem. O discurso de Karl Marx é escatológico e pode ser facilmente explicado à luz das correntes gnósticas que evoluíram da antiguidade tardia até à modernidade.

      5.Tudo o resto é óbvio. Se você diz que a razão não tem valor, e subordina o pensamento à acção, é lógico que você animaliza o ser humano. Se você diz que uma pessoa que pensa não tem valor, e só tem valor uma pessoa que age sem pensar, você animaliza o ser humano. Até uma pessoa com o primeiro grau de ensino compreende isto.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 8 Novembro 2010 @ 3:23 am | Responder

  4. Uma das loucuras que se encontra em Marx, é coisas do tipo que dão a impressão que o trabalho e o estado brotam do solo espontaneamente por “evolução” ou seja o que for, nisso que dá misturar economia com evolucionismo.

    Mas, vejamos o que Mário Ferreira dos Santos diz:
    (…)
    O nihilismo moderno tem suas raízes em dois factores importantes: nos erros filosóficos dos sofistas modernos e na crise econômica.

    Os que julgam que se é capaz de explicar os primeiros em função dos segundos, esquecem-se que a sofistica não nasceu entre nós. Ela se repete em nós, quando as condições ambientais lhe são favoráveis. Assim os factores ideais encontram um campo fértil para o seu desenvolvimento, quando os factores reais lhes dão o conteúdo fáctico, que os fundamenta de modo melhor e mais se¬guro.

    A economia implica a inteligência. Não é ela urna obra animal, mas humana. O facto econômico não é um simples produto do esforço físico, mas, sobretudo, da direcção inteligente. Se não fosse assim, os animais se¬riam capazes de construir uma economia. O facto eco¬nômico é um facto cultural e não meramente físico. Nele se revela uma escolha, um arbítrio da inteligência. Nele, há a direcção dada aos esforços pela consciência e pelo saber humanos. A economia não cria a inteligência, mas é um produto desta, embora a estimule. Não é um produto puro e simples, mas sim uma síntese da natureza e do espírito.

    Por outro lado, a crise instaurada nas idéias, a qual testemunha a invasão do nihilismo, tem suas raízes mais longínquas nas próprias idéias, e seu reforço e intensidade são estimulados pelos factos econômicos.
    (…)
    Mario Ferreira dos Santos in “As filosofias da Afirmação e da Negação”

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    Comentar por shâmtia ayômide@hotmail.com — Segunda-feira, 8 Novembro 2010 @ 3:39 am | Responder

  5. “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços, pernas, cabeça e mãos-, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas instintivas, animais, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade.” O Capital – Critica da Economia Política. Karl Marx. Editora Civilização Brasileira, 24a Edição. pp. 211-212

    Como entender isso como ato de seres irracionais? Como entender isso como uma equalização do homem com o animal?

    Talvez a chave da diferença entre o que você interpreta de Marx e o que Marx coloca esteja na lógica dialética. Que aliás não foi propriamente inventada por Marx (tomemos Hegel por exemplo da onde Marx critica e se apropria de um determinado modo de sua lógica). Não existe essa lógica, em Marx, de ou se é racional ou se é prático, não existe trabalho sem prévia-ideação, o que pressupõe razão (se é que razão pra mim e para você tem a mesma carga semântica). E não existe razão sem vida, ou seja, sem que haja trabalho que produza meios de subsistência e meios de produção. Quem insere essa lógica em Marx é você. Como o próprio texto atesta “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente…”. Existe sim contradição entre razão e ação, inclusive isso é uma característica imprescindível para o aprendizado e para praticas melhoradas. Agora, isso, para Marx, não cancela nem uma nem outra, são ambas necessárias e imprescindíveis, uma imbrica a outra.

    Sobre o fim do trabalho em Marx. Onde está isso? Citação por favor! A não ser que o homem possa realizar fotossíntese ou obtenha seus meios de subsistência e de produção do espírito, ou de alguma entidade, ele necessariamente morre. Isso é natural, é condição necessária para a sobrevivência, comer, beber, vestir, morar… e isso não cai e nunca caiu na boca dos homens, eles tiveram que se relacionar com a natureza para obterem essas coisas e essa relação orgânica é o trabalho em geral.

    Sobre a linguagem em Marx:
    “Somente agora, depois de já termos examinado quatro momentos, quatro aspectos das relações históricas originárias, descobrimos que o homem tem também ‘consciência'[Nota de rodapé: Os homens têm história porquê tem que produzir sua vida, e tem de fazê-lo de modo determinado: isto é dado por sua organização física, tanto quanto pela sua consciência.]. Mas esta também não é, desde o início, consciência ‘pura’. O ‘espírito’ sofre, desde o início, a maldição de estar ‘contaminado’ pela matéria, que, aqui, se manifesta sob a forma de camadas de ar em movimento, de sons, em suma, sob a forma de linguagem. A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para os outros homens e que, portanto, também existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, tal como consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio entre os homens” A Ideologia Alemã – Karl Marx e Friedrich Engels. Editora Boitemo, 1a Edição. pp.34-35

    Sobre a religião:
    “Totalmente ao contrário da filosofia Alemã, que desce do céu à terra, aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, à partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Também as formulações nebulosas na cabeça dos homens são sublimações necessárias de seu processo de vida material, processo empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes, são privadas, aqui, da aparência de autonomia que até então possuíam.” A Ideologia Alemã – Karl Marx e Friedrich Engels. Editora Boitemo, 1a Edição. p. 94.

    Não se anula a representação, a “razão” dos homens. Ela existe e faz parte do processo de produção e reprodução da vida real dos homens. Entretanto, para Marx, não é ela o ponto de partida no entendimento do homem moderno, apesar de ela ser parte fundamental, até porque se os únicos homens racionais fossem Marx e Engels para que escrever e publicar livros? A razão pode até ter componentes naturais, mas ela também tem, e pessoalmente acho que grande parte é, de origem social, determinada socialmente, por isso, como materialista, a compreensão está na reprodução da vida dos homens, portanto, essas componentes sociais podem ser explicadas socialmente, o que vai de encontro com a naturalização, os a priori, e etc. Uma polêmica que me parece clara entre você e Marx. (pergunta: Marx é o primeiro filósofo materialista? Feuerbach era o que? E antes dele, ninguém mais foi filósofo que acreditava que o mundo punha o espirito e não ao contrário? Esses, não compõe uma tradição? Não é Marx legatário desta tradição?)

    Posso até estar sendo injusto, mas outro ponto interessante é sobre a recusa de Marx da filosofia contemporânea, que parece aparecer sobre a negação d”a ideia de ‘natureza humana’ tal qual apresentada ao longo de séculos de pensamento tradicional”. Interessante que Marx parte justamente do conhecimento filosófico de sua época. Parte de Hegel, de Feuerbach, de Aristóteles (No primeiro capítulo d’O Capital faz inclusive elogios à Aristóteles e coloca suas limitações). Marx não inventa tudo do nada. Suas análises da Economia Política Clássica se dão através de Smith e Ricardo (amplamente citados e inclusive creditados em suas descobertas, vide os Grundrisse, O Capital, A Miséria da Filosofia…). Outro aspecto que cabe aqui uma crítica, é que parece que Marx é o único que critica essa tradição, como se todas elas fossem uma coisa só, que concordassem em tudo e Marx é o rapaz nervosinho que vai criticar tudo e dizer que todos estão errados. Me parece ao contrário, a motivação emocional aqui não está em Marx, mas no autor e no em boa parte dos autores base desse texto que critico.

    Gostaria de saber mais sobre o porque esses serem os pontos de partida de Marx. Ou seja, a argumentação do porque eles são.

    No mais, Saudações Fraternas.

    Feuerbach

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    Comentar por Ludwig Feurbach — Quinta-feira, 23 Fevereiro 2012 @ 4:51 pm | Responder

    • O seu comentário é muito longo; é mais longo do que o próprio artigo que você pretende comentar. Não é porque um comentário é longo que automaticamente passa a estar correcto.

      A comparação que Karl Marx faz, no trecho que você citou, entre uma aranha e um ser humano advém da influência do dogma darwinista. A verdade é que não podemos comparar aquilo que não é comparável. A comparação, em si mesma, é um absurdo.

      Quando Karl Marx fala de “idealização da transformação da matéria” por parte do ser humano, não está a ser original: apenas segue o conceito de Platão de “ideia” ou “forma”, e os conceitos de Aristóteles de “ser em acto” e “ser em potência”. A diferença entre a forma de Platão e a “idealização da transformação da matéria” segundo Karl Marx é a de que apenas a a realidade empírica [a acção] tem significado para Karl Marx e para Engels: a realidade empírica é só e apenas a ideia segundo Karl Marx.

      Porém, não foi disto que eu falei no artigo. Além disso, Karl Marx e ao contrário do que ele diz, não segue nem inverte a dialéctica de Hegel: apenas se recusa a teorizar acerca do problema; Karl Marx abole o problema filosófico da realidade que existia na filosofia dialéctica de Hegel.

      Você confunde “racionalismo”, por um lado, com “razão”, por outro lado. Razão é uma coisa; racionalismo é outra. O racionalismo é, na maior parte das vezes, irracional.

      Aliás, uma das características e Karl Marx é que evitava definir o que quer que fosse: Karl Marx foi alérgico a definições. E ao tentar interpretar o seu texto verifico esse mesmo erro através do empastelamento de conceitos.

      Sobre a noção do “fim do trabalho na sociedade socialista da liberdade”, aconselho-o a ler a obra do jovem Karl Marx — por exemplo, “As Teses Sobre Feuerbach”.

      http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_obras_de_Karl_Marx#Jovem_Marx_.281841_a_1850.29

      Não é justo que você ignore, e depois venha aqui fazer perder o meu tempo. E a não ser que você consiga coordenar as suas ideias e ser mais objectivo e sucinto, não voltará mais a comentar aqui.

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      Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 23 Fevereiro 2012 @ 6:12 pm | Responder

  6. Volto a citar o trecho de Marx já citado por “Ludwig Feurbach” que me parece contradizer todo o seu argumento:

    “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.”

    Creio que em função disto o que distingue o Homem do animal, ou o Ser social do ser biológico (para usar os termos de Lukács que me parecem ser-lhe estranhos) é bem mais complexo do que se afirma nesse texto.

    De qualquer modo, ainda assim, a biologia começa a tirar razão a Marx pelo lado oposto. Somos mais parecidos com os animais do que pensamos.

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    Comentar por Jose Ferreira — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 3:01 pm | Responder

    • Em primeiro lugar, o seu comentário está escrito segundo o Acordo Ortográfico, e normalmente não seria publicado aqui. Abre-se uma excepção.

      Em segundo lugar, ninguém falou aqui em Lukacs senão você. Aqui, falou-se de Karl Marx e de Engels. Ir buscar Lukacs, neste contexto, é tergiversar. Lukacs não é Karl Marx (que eu saiba!).

      Em terceiro lugar, a sua citação de Marx revela aquilo que se quis dizer no verbete: não é a constatação do óbvio que interessa aqui (a herança idealista de Hegel: “a pessoa imagina e depois realiza o trabalho”), mas antes a supremacia do trabalho na existência humana que caracteriza a doutrina de Karl Marx.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 4:32 pm | Responder

      • Duas notas. Continuo a insistir que a equalização do Homem à abelha que vc faz no texto choca com as afirmações explícitas de Marx sobre a especificidade do trabalho humano. Aliás, salvo erro, Marx nunca emprega a palavra “trabalho” para se referir à atividade de um animal.

        E, se chamei a atenção para o trabalho de Lukács, foi apenas porque a sua obra é dedicada a desenvolver essa cisão entre o Homem e o animal que você recusa ver em Marx.

        P.D. Sou português a viver no Brasil. Não é por respeito ao Acordo Ortográfico que escrevo assim; é pela viagem

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        Comentar por Jose Ferreira — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 4:44 pm

      • Interessa-me menos as palavras exactas que Karl Marx utiliza, do que as significações que podemos extrair dessas palavras, sejam quais forem estas. O facto de Karl Marx não se ter referido ao “trabalho dos animais”, é irrelevante.

        Faço-lhe uma pergunta:

        ¿O homem é livre porque age, ou age porque é livre?

        Segundo Karl Marx, o homem é livre porque age. Como os animais.

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        Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 5:10 pm

      • Acho equivocado que não se extraiam significações do facto de Marx nunca se ter referido ao “trabalho do animais”.

        Confesso não entender essa pergunta! Mas o conceito de liberdade de Marx pode ser simplificado nesta: Porque um homem culto, com Kant, nunca foi ao cinema?

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        Comentar por Jose Ferreira — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 5:19 pm

      • A pergunta que eu lhe fiz não tem nada a ver — não pode ser colocada em um nível idêntico — com a pergunta que você coloca. Parece-me que você está a tentar fazer descambar a conversa. O diálogo só é frutífero se ambas as partes aceitarem, à partida, a lógica. Se uma das partes recusa a lógica, não há diálogo possível.

        Quando Karl Marx critica a filosofia (“Os filósofos têm-se limitado a interpretar o mundo de diferentes formas; o essencial, contudo, é transformá-lo”), o que ele faz é defender a supremacia da acção sobre a contemplação. A reflexão filosófica é desclassificada por Karl Marx, reduzida a quase nada. Isto é um facto indesmentível!

        A “transformação do mundo”, segundo Karl Marx, significa a supremacia do império da acção em detrimento da razão. Por isso é que Karl Marx é de opinião que “o homem é livre porque age”. É a acção, segundo Marx, que determina a liberdade do homem — o que torna o homem semelhante aos animais irracionais (note bem: “semelhante” não significa “idêntico”! Temos que analisar as palavras usadas antes de fazer juízos de valor).

        Da mesma forma que não é “o acto de andar” que determina a existência da perna, nem é a visão que determina a existência do olho — pelo contrário: é a perna que determina o andar, e é o olho que determina a visão —, assim “o homem age porque é livre”: a liberdade é anterior à acção; é a liberdade da vontade, filtrada pelo juízo (razão) que determina a acção, e não o contrário disto. A liberdade crítica do pensamento, que filtra e racionaliza a vontade, é anterior à acção.

        Mas Karl Marx (tal como Nietzsche fez) inverteu esta noção: defendeu a ideia de que “o homem é livre porque age”. A liberdade do homem passou a ser condicionada e determinada pela acção — assim como um gato, por exemplo, é livre na medida em que pode agir. Mas um gato não pensa: age, e através da sua acção, também é livre à sua maneira. Porém, um homem não é um gato.

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        Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 6:14 pm

      • Não sou formado em filosofia; sinto algum despreparo para certas nuances. Mas não me parece que a questão que lhe coloquei tenha servido para desviar o assunto, mas para colocar a resposta marxista à pergunta que você faz.

        Primeiro, para Marx a razão existe sempre previamente à ação. Acho que a citação que você prefere não considerar prova isso sobejamente. A questão é que se age sempre num contexto. A razão só permite agir dentro do possível; não permite voar até ao momento em que se inventou o avião. E, obviamente, esse contexto é histórica e geograficamente determinado.

        Aliás, a frase que vc cita agora, e que comenta equivocadamente, deve ser lida nesse sentido. Quando Marx diz “mas o importante é transformá-lo” está a demandar uma filosofia ontologicamente comprometida com a mudança. Claro que isso não é óbvio porque as Teses ad Feuerbach devem ser lidas pelo que elas são: apontamentos, escritos a mão para acompanhar a redação da Ideologia Alemã, que Stálin fez publicar como a súmula do materialismo dialético. Não o são! E para se saber o que significa cada um desses aforismos é necessário ler o livro a que deram assistência. (A folha manuscrita foi encontrada entre as provas tipográficas nunca publicadas do livro. As Teses tiveram o usar de ser publicadas antes do livro).

        Umas citações bastam: “Como se sabe, a cerejeira, como quase todas as árvores frutíferas, foi transplantada para a nossa região pelo comércio, há apenas um século e, portanto, foi dada à ‘certeza sensível’ de Feuerbach mediante essa ação de uma sociedade numa determinada época” (Ideologia Alemã) “Para os profetas do século XVIII – Smith e Ricardo fundamentam-se ainda completamente nas suas teses –, este indivíduo do século XVIII – produto, por um lado, da decomposição das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas formas de produção que se desenvolvem a partir do século XVI – surge como ideal que teria existido no passado.” (Contribuição à Crítica da Economia Política).

        Desculpe um comentário tão grande a um post tão curto. Mas a questão é esta. A diferença entre você e Marx não está na precedência da ação sobre a razão; mas na insistência de Marx que o que a razão pensar o que a mão não pode fazer. E o que a mão pode fazer é historicamente determinado.

        Eis porque Kant nunca foi suficientemente livre para ir ao cinema.

        Abraço

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        Comentar por Jose Ferreira — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 7:20 pm

      • Repare, eu percebo que a sua crença — que é uma espécie de religião — tente evitar a todo o custo qualquer dissonância cognitiva. Por isso é que você vai buscar Kant, que não é para aqui chamado. Se for possível e necessário, você até vai invocar o Papa Francisco para evitar a sua dissonância cognitiva.

        A crítica de Karl Marx a Feuerbach é irrelevante para o que foi escrito no verbete. Irrelevante!, tanto quanto Lukacs é irrelevante!. Você incorre numa falácia lógica que dá pelo nome de Ignoratio Elenchi. Por favor não venha agora invocar Althusser para justificar o seu ponto de vista! É falácia, meu caro! Nem venha depois invocar Jean-Paul Sartre, por exemplo. Concentre-se no texto!

        Transformar os homens, ¿ou “transformar o mundo” como defendia Karl Marx?

        ¿A liberação principia pela consciência individual? — ou ¿a consciência individual é determinada pela estrutura sócio-económica de um dado espaço e de um dado tempo?

        Karl Marx pensava que a consciência individual é determinada pela estrutura sócio-económica de um dado espaço e de um dado tempo. Ou seja, Karl Marx é hegeliano! Karl Marx recusava o livre-arbítrio (a liberdade) do ser humano — Karl Marx era determinista! ¿Será que você não percebe isto? Por isso é que, segundo Karl Marx, “o homem é livre porque age”.

        “O problema de saber se ao pensamento humano se pode atribuir uma verdade-objectiva não é um problema prático. É na prática onde o homem deve demonstrar verdade, isto é, a realidade, o poder, a terrenalidade do seu pensamento. A discussão em volta da realidade ou irrealidade do seu pensamento — isolado da prática — é um problema meramente escolástico.”

        (Karl Marx, “Os Manuscritos Económico-Filosóficos”)

        Como você pode verificar, não é só você que sabe de Karl Marx. Há outras pessoas que também sabem.

        Segundo Karl Marx, e segundo texto (faça favor de ler!) o pensamento humano (a razão!) não tem legitimidade de pretender saber a verdade. Karl Marx recusa a força da razão, por um lado, e, por outro lado, diz que “é na prática onde o homem deve demonstrar verdade”, ou seja, na acção! Não no pensamento, mas antes na acção!

        Agora, por favor, não me venha dizer que fui eu que inventei este texto de Karl Marx. Eu percebo a sua religião, mas o fanatismo tem limites!

        A discussão acabou. Cada um de nós já publicou o seu ponto de vista, e por isso é escusado alongarmo-nos mais no assunto.

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        Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 10 Março 2014 @ 8:22 pm


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