perspectivas

Segunda-feira, 15 Junho 2009

Hannah Arendt

Filed under: filosofia — O. Braga @ 12:19 pm
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Hannah Arendt teve a qualidade de constatar a necessidade óbvia da denúncia dos totalitarismos do século XX, ao mesmo tempo que tentava branquear a História ao tentar justificar [como sendo uma evolução positiva] a epistemologia filosófica a partir da Idade Moderna. Existe, portanto, uma contradição interna no próprio pensamento de Hannah Arendt, que na minha opinião não é só dela: é comum a todas as mulheres que abordaram a filosofia de forma mais profunda. Por alguma razão não existem “mulheres filósofas”; para quem considerava Hannah Arendt uma delas, ela própria encarregou-se de o desmentir ao negar esse estatuto e atribuir a si própria o epíteto de “filósofa política”, como se a realidade pudesse ser compartimentada de forma a que a política ― como qualquer outra coisa ou fenómeno humano ― se pudesse destacar da filosofia. Outro exemplo de uma “filósofa política” foi Simone Beauvoir, que para além do feminismo, se cingiu à clonagem do existencialismo de Sartre. Aliás, nunca entendi muito bem o conceito de “filosofia política”, como se fossem possíveis conceitos quejandos como o de “filosofia médica”, ou “filosofia carpinteira”, ou “filosofia religiosa”; política é política, religião é religião, ciência é ciência e a filosofia abarca tudo. A compartimentação da filosofia consiste na sua própria negação, e nesse sentido, Hannah Arendt seguiu à risca o enviesamento positivista do pensamento moderno.


Portanto, é necessário distinguir duas Hannah Arendt: aquela que denuncia ferozmente os totalitarismos modernos, e aquela que não renuncia claramente, e em aberto “mea culpa”, à sua herança ideológica que sustentou esses mesmos totalitarismos.

Tentar compreender Hannah Arendt torna-se num exercício de “esquizofrenia analítica” porque topamos a qualquer momento com a aceitação de um conceito e logo a seguir, embora de uma forma implícita, a aceitação do seu contrário, como se ela tentasse constantemente a conciliação dos opostos, e portanto, a negação de uma realidade que se caracteriza pela Metaxia platónica da constante necessidade humana de equilíbrio [e não de conciliação] entre opostos. A conciliação dos opostos é pré-socrática ― nomeadamente de Heraclito ―, e por isso é que Hannah Arendt não só desculpa o niilismo de Nietzsche como chega a fazer, a espaços, a sua apologia [“Entre o Passado e o Futuro: oito exercícios sobre o pensamento político”]. Arendt parece não querer reconhecer de uma forma objectiva e concreta as consequências [directas ou indirectas] do pensamento de Nietzsche e de Marx no assassinato de mais de 200 milhões de pessoas só no século XX, ao mesmo tempo que critica os totalitarismos que causaram essas mortes; seria como se eu criticasse o roubo mas desculpasse o ladrão.

Em toda a obra de Arendt está presente o desejo de negar a Metaxia e contornar a ideia da existência de uma ordem universal, ou seja, existe em Hannah Arendt uma preocupação constante em ver o mundo não como ele é objectivamente, mas como ela subjectivamente gostaria que fosse.

Podemos concluir que apesar da sua crítica às consequências históricas do triunfo do gnosticismo, Hannah Arendt não conseguiu libertar-se da análise da realidade que caracteriza particularmente o sistema positivista, na exacta medida em que é impossível a um sistema demonstrar a sua não-contradição pelos seus próprios meios (teorema de Goedel).

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