Portanto, é necessário distinguir duas Hannah Arendt: aquela que denuncia ferozmente os totalitarismos modernos, e aquela que não renuncia claramente, e em aberto “mea culpa”, à sua herança ideológica que sustentou esses mesmos totalitarismos.
Tentar compreender Hannah Arendt torna-se num exercício de “esquizofrenia analítica” porque topamos a qualquer momento com a aceitação de um conceito e logo a seguir, embora de uma forma implícita, a aceitação do seu contrário, como se ela tentasse constantemente a conciliação dos opostos, e portanto, a negação de uma realidade que se caracteriza pela Metaxia platónica da constante necessidade humana de equilíbrio [e não de conciliação] entre opostos. A conciliação dos opostos é pré-socrática ― nomeadamente de Heraclito ―, e por isso é que Hannah Arendt não só desculpa o niilismo de Nietzsche como chega a fazer, a espaços, a sua apologia [“Entre o Passado e o Futuro: oito exercícios sobre o pensamento político”]. Arendt parece não querer reconhecer de uma forma objectiva e concreta as consequências [directas ou indirectas] do pensamento de Nietzsche e de Marx no assassinato de mais de 200 milhões de pessoas só no século XX, ao mesmo tempo que critica os totalitarismos que causaram essas mortes; seria como se eu criticasse o roubo mas desculpasse o ladrão.
Em toda a obra de Arendt está presente o desejo de negar a Metaxia e contornar a ideia da existência de uma ordem universal, ou seja, existe em Hannah Arendt uma preocupação constante em ver o mundo não como ele é objectivamente, mas como ela subjectivamente gostaria que fosse.
Podemos concluir que apesar da sua crítica às consequências históricas do triunfo do gnosticismo, Hannah Arendt não conseguiu libertar-se da análise da realidade que caracteriza particularmente o sistema positivista, na exacta medida em que é impossível a um sistema demonstrar a sua não-contradição pelos seus próprios meios (teorema de Goedel).
AVISO: os comentários escritos segundo o AO serão corrigidos para português.