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Sexta-feira, 9 Janeiro 2009

O messianismo judaico e a mente revolucionária moderna

Filed under: cultura,filosofia — O. Braga @ 4:24 pm
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A galeria revolucionária

A galeria revolucionária

Quando analisamos a mente revolucionária ― de Esquerda, obviamente ― encontramos todos estes ingredientes messiânicos judaicos do “Homem Novo” que secundariza a individualidade humana, subjugando-a ao colectivo.

Enquanto que Jesus Cristo falava do “futuro de justiça” como se de uma dimensão espiritual do “Reino de Deus” se tratasse, a tradição profética do judaísmo nunca perdeu a esperança de que pelo menos uma elite do seu povo ― ou “um pequeno resto”, na expressão de Isaías ― fosse destinado a salvar o futuro temporal e material. Enquanto que a “certeza” de Jesus Cristo sobre o futuro não pertencia a este mundo material mas a um reino espiritual, a “certeza” da tradição messiânica judaica sobre o futuro escora-se na ideia de um reino material composto por uma plêiade de homens eleitos e por um “rei de justiça”. Esta é uma diferença essencial entre a doutrina de esperança de Jesus e a doutrina da esperança messiânica do judaísmo.

Jesus concentra a sua atenção sobre a necessidade de mudança de comportamentos a nível individual, enquanto que a tradição messiânica judaica abrange os destinos materiais colectivos da nação israelita e de toda a humanidade. Jesus concentra-se na mudança em cada ser humano como uma singularidade individual; a esperança messiânica judaica é colectivista e subjugada por uma potência superior e exterior ao Homem como ser individual (Iavhé) que disciplina a humanidade como uma entidade colectiva. Mude-se o nome dessa potência superior e temos a essência do messianismo da mente revolucionária moderna.

Quando analisamos a mente revolucionária moderna podemos verificar nela algumas características comuns ao messianismo judaico. Naturalmente que, na História, as ideias não se repetem de uma forma exacta porque o tempo histórico é diferente ― assim como não há um jogo de xadrez igual a outro; o que pode existir é um jogo de xadrez com algumas características nas suas jogadas cruciais que se identificam, de algum modo, com um outro jogo pretérito.
O que se decalca da tradição messiânica judaica por parte da mente revolucionária moderna é a certeza do futuro temporal e material. A esperança messiânica judaica apoia-se em Javé para transformar a matéria, isto é, modificar a humanidade criando o “homem novo” ou “o povo dos eleitos”, enquanto que a mente revolucionária moderna substitui Javé pelas ideias que este representava na tradição messiânica ― em vez de Iavhé, a mente revolucionária adoptou simplesmente as ideias que inspiravam Iavhé.

Israel, na sua elite resgatada, será o servo de Iavhé (Isaías XLIV, 1,2), chamado para ser o reconciliador da humanidade e da luz das nações (Isaías XLII, 6). Retirem o Javé do cenário de Isaías e poderão ver o desígnio de uma elite revolucionária moderna que, imbuída de um determinado espírito de justiça colectivista, abraça o mesmo destino revolucionário inexorável, tendo como base não a singularidade do ser humano mas a humanidade material como um todo colectivo.

Com o messianismo judaico, o “povo dos eleitos” substitui o “povo eleito”, os eleitos passam a ser uma plêiade sem raça e sem nação ― exactamente o que a mente revolucionária moderna defende. Num caso como noutro, os profetas descrevem longamente a felicidade temporal e material da era messiânica de um futuro que é uma certeza, encorajando assim a adesão instintiva do povo ― trata-se de uma forma de utilitarismo (a adesão a uma ideia de futuro glorioso e dado como certo, em troca da abundância material prometida) tanto no caso do messianismo judaico como no da mente revolucionária moderna, e a Razão é subalternizada e passa a ser ditada pela autoridade e pelo primado desse utilitarismo.

Os velhos profetas judaicos confundem os horizontes temporais com os horizontes eternos espirituais ― exactamente o contrário do que Jesus Cristo fez, e por isso é que Cristo é odiado pela mente revolucionária, enquanto que até o próprio Nietszche tinha em boa conta a bíblia judaica ao mesmo tempo que desprezava Jesus.
Essa confusão de horizontes por parte dos velhos profetas deve-se, por um lado, ao ardor da expectativa e ao deslumbramento da esperança (tal como acontece com a mente revolucionária moderna) que o contraste com a realidade sombria torna mais luminosa ― os profetas judaicos de outrora e os actuais profetas revolucionários deixam-se absorver por uma visão única e imensa em que os momentos sucessivos de duração se perdem num eterno presente que eles transformam, e transmutam por osmose atemporal, num futuro inexoravelmente verdadeiro. Por outro lado, sendo eles pregadores e “pré-anunciadores” a partir sempre da situação actual, imaginam ou apresentam o futuro com os contornos da realidade sua contemporânea.

No seio dos velhos profetas, a felicidade temporal e material futura deveria ser revelada, em primeiro lugar, a uma elite, e deveria ser o efeito de uma conversão: “o restante virá depois” (Isaías), “o seu coração de pedra será transformado num coração de carne” (Ezequiel). Aquele que prepara a restauração futura (e continuamos a falar em “futuro material e temporal”) é um Iavhé de justiça, como é o Iavhé das sanções presentes, e o rei ideal que Ele enviará se dedicará principalmente a fazer “correr a justiça como água”.

A era messiânica será o reino do futuro material dado como sendo certíssimo: o futuro da justiça material e utilitarista. Os humildes e os pobres viverão com alegria, porque os opressores e os cativos terão desaparecido (Isaías XXXVIII, 19 – 21); os insensatos e os fraudulentos terão perdido o seu prestígio (Isaías XXXII, 4 – 7). O “Homem Novo” da tradição messiânica reflecte-se em Iavhé que testemunha o arrependimento da humanidade (sempre em termos colectivos e não se referindo à singularidade do indivíduo), e o povo será então purificado das suas iniquidades (Jeremias, XXXI, 34; XXXXIII, 8). À humanidade serão dados um só coração e uma só voz para que sejam felizes (Jeremias, XXXII, 39).

Quando analisamos a mente revolucionária ― de Esquerda, obviamente ― encontramos todos estes ingredientes messiânicos judaicos do “Homem Novo” que secundariza a individualidade humana, subjugando-a ao colectivo.

Jesus Cristo veio revelar uma realidade diferente: a necessidade de auto-transformação individual. Para Jesus, o colectivo era o resultado da soma das individualidades, e por isso o ser humano, como ser individual e irrepetível, era muito mais importante do que a acção de uma elite de iluminados que agia em nome do colectivo.
Jesus Cristo não tomou atitudes colectivas, e essa foi uma das razões por que foi assassinado. Por isso é que o Cristianismo é menos tolerado pela Esquerda do que o islamismo e o próprio judaísmo: ao contrário das profecias islamitas e judaicas, ― e de certa forma aproximando-se mais da ética das religiões orientais como o Budismo, o Siquismo e o Hinduísmo ― a profecia de Jesus não é material ou/e temporal mas promete-nos a companhia do Pai Eterno através da auto-transformação espiritual individual, e a certeza de que a justiça neste mundo só será conseguida através da transformação espiritual individual, e nunca através de uma acção exógena por parte de uma plêiade de “eleitos”, elite, ou divindade.


Por ironia do destino (ou da Providência), as últimas profecias de Isaías da segunda parte do seu livro, coincidiram naquilo que ele não tinha propriamente em ideia. A ideia do “messias materialista e revolucionário”, o Robin-dos-bosques que tiraria aos ricos para dar aos pobres da Humanidade, não existiu; em vez dele, veio Aquele que disse a cada ser humano o que deveria fazer para que a justiça pudesse existir.

Javé compraz-se em consumi-lo com sofrimentos,
Mas quando tiver oferecido a sua vida pelo pecado,
Verá a posteridade que prolongará os seus dias
E a vontade de Javé prosperará nas suas mãos.
Verá o fruto do que a sua alma trabalhou
E ficará satisfeito;
Justo, restituirá a justiça a muitíssimos,
E tomará sobre si as iniquidades deles.

Por isso, eu lhes darei, por sorte, uma grande multidão,
E ele distribuirá os despojos dos fortes,
Porque entregou a sua vida à morte
E foi posto no número dos malfeitores,
E tomou sobre si os pecados de muitos
E intercedeu pelos pecadores.

(Isaías, LIII, 10 – 12)

8 comentários »

  1. Feliz Año Nuevo, Orlando. Has debido de estar de vacaciones, porque no has escrito mucho.

    Leeré esto con interés. es un tema que me apasiona.

    Un saludo

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    Comentar por AMDG — Sábado, 10 Janeiro 2009 @ 3:17 pm | Responder

  2. […] é um valor essencial. Trata-se de reverter “a queda” do primeiro homem bíblico através das promessas messiânicas judaicas que dão como certo o paraíso na Terra sob o controlo totalitário de um “Rei de Justiça”. Ainda a Freud, a Utopia Negativa foi […]

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    Pingback por A mente revolucionária, o messianismo judaico, a Utopia Negativa e o fenómeno obâmico « perspectivas — Segunda-feira, 26 Janeiro 2009 @ 4:43 pm | Responder

  3. […] dizer a seguir, convém ler um postal que descreve a mente revolucionária, e outro que se refere à ligação intrínseca entre o profetismo judaico-cristão e o revolucionarismo moderno e contemporâneo. As raízes da mente revolucionária podem ser encontradas no profetismo […]

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    Pingback por Quando o feminismo se insere numa estratégia marxista cultural « perspectivas — Sexta-feira, 3 Abril 2009 @ 3:46 pm | Responder

  4. Muito interessante, mas o paralelo entre as daus mentes ainda teria sido melhor com mais referencias a obras/citações de teóricos esquerdistas.

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    Comentar por D — Sexta-feira, 22 Maio 2009 @ 11:08 am | Responder

  5. Ressalvo:

    Não houve a mínima referencia a esses teóricos e aos seus conceitos ideológicos no paralelo que nos expos. Apenas um generalidades acertadas, o que não deixou de evidenciar numa certa medida as similitudes…

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    Comentar por D — Sexta-feira, 22 Maio 2009 @ 11:12 am | Responder

  6. @ D :

    Aconselho a leitura do livro “Ciência, Política e Gnose”, de Eric Voegelin. Está lá o que precisa. É impossível fazer de um postal de um blogue um livro ou uma tese universitária.

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    Comentar por O. Braga — Sexta-feira, 22 Maio 2009 @ 4:51 pm | Responder

  7. gente , quais sao as promessas Judaicas ? Nao conseguir achar ! Help-me :/

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    Comentar por Samvltnf — Quarta-feira, 17 Novembro 2010 @ 12:02 am | Responder

    • Promessas judaicas = messianismo judaico = PARAÍSO NA TERRA

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      Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 17 Novembro 2010 @ 12:44 am | Responder


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