perspectivas

Domingo, 25 Maio 2008

Pragmatismo = Relativismo

Filed under: cultura — O. Braga @ 8:29 pm
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Deparei-me com este texto, através do qual a autora se insurge contra Richard Rorty. Naturalmente que a autora é – como se pode constatar facilmente – uma defensora acérrima do cientificismo neopositivista. É certo que estou de acordo com a autora na crítica a Rorty, mas as razões que me assistem na divergência ao pragmatista americano são diferentes das dela: acontece que eu não concordo com Rorty, mas tão pouco concordo com a sacralização do cientificismo neopositivista que ela tacitamente defende, e muito menos com o Objectivismo de Ayn Rand; penso que a autora do texto liga a ideia de “objectivismo” ao “cientificismo”, e não à teoria de Ayn Rand, teoria esta que assume, para além do ateísmo próprio do cientificismo, algumas conotações ideológicas inerentes a um darwinismo social próprio do neoliberalismo de Hayek.

Rorty define-se como um “pragmatista”. Um pragmatista é, e sempre foi, um relativista ― deixemo-nos de eufemismos. As diferenças entre os relativistas do princípio do século 20 e os relativistas do pós-modernismo, são basicamente:

    1) estes últimos já perderam a vergonha e deixaram de considerar (em teoria, porque na prática impera a hipocrisia ou a incoerência), como sendo preponderante, a opinião maioritária presente numa sociedade ― ou numa comunidade, seja científica ou outra ― como defenderam Charles Peirce e Bertrand Russell;

    2) os pragmatistas do princípio do século 20 sempre consideraram o método científico como o único que inclui em si próprio a possibilidade de erro, e que, portanto, se apresenta organizado de forma a permitir correcções – ao contrário dos outros métodos de procura de conhecimento.

De resto, o Pragmatismo primordial considera que toda a procura de conhecimento subjaz no estabelecimento de uma “crença”, entendendo-se por “crença” um hábito ou uma regra de acção que torna possível um dado comportamento em determinada ocasião, isto é, essa “crença” justifica qualquer tipo de acção no sentido do sucesso na busca da “verdade” que essa “crença” defende ou pressupõe. Convenhamos que esta ideia é perigosa, porque pode até justificar as acções de Hitler. Acontece que os pragmatistas pós-modernistas (como Rorty) consideram todas as “crenças” por igual, isto é, dentro de um relativismo absoluto e radical.



Unamuno

Por exemplo, quando alguém me diz que aprecia Miguel de Unamuno, é concerteza um relativista, porque Unamuno foi um pragmatista que defendeu a ideia de que o que vale realmente é o objectivo das nossas acções (ética teleológica), isto é, os fins justificam plenamente todos os meios. Naturalmente que Unamuno mascara a perniciosidade intrínseca da sua filosofia com a ideia do “apego à vida e à sua dignificação”, o que consiste numa contradição endógena (mais uma, entre muitas) em relação à essência da sua filosofia: quando os fins justificam todos os meios, falar em “dignificação da vida” é pura hipocrisia.

“Quando as matemáticas matam, as matemáticas mentem (..) Verdade é o que, levando-nos a agir de um modo ou doutro, nos leva a conseguir realizar o nosso intento.” — Vida de D. Quixote e Sancho (Unamuno)

Unamuno, à semelhança de Hans Vaihinger (outro pragmatista), vê uma contradição na matemática que não existe, porque essa hipotética contradição nasce do facto de considerar os conceitos matemáticos tomando como base um critério que não é aquele pelo qual são formulados e empregues pela própria matemática. Não é a matemática que mata; é o uso que se faz dela, e nesse caso, a culpa não é da matemática, mas da comunidade científica neopositivista.

O relativismo consiste também em sucessivos golpes de prestidigitação retórica. E quando a verdade (a de Unamuno ou a de qualquer um) nos leva a agir de qualquer modo tendo como fim realizar o nosso intento, então passa a valer tudo.

Toda a filosofia de Unamuno é um rol de contradições – por exemplo, quando defende a “crença” na imortalidade ao mesmo tempo que a nega implicitamente. Para Unamuno, só a incerteza é vital, e por isso, nenhuma diferença pragmática subsiste verdadeiramente entre quem afirma ou quem nega a imortalidade. O nosso Fernando Pessoa teve a mesma atitude em relação à “incerteza”, mas ao menos considerou-se um poeta, e não um filósofo – foi, por isso, mais coerente em relação à sua condição.

A “incerteza” de Unamuno, levada à essência fundamental do seu pensamento, é sintoma desse relativismo. Um cientista tem “crenças” baseadas no método científico indutivo e/ou pela observação, como defendeu Popper; um espiritualista tem “crenças” baseadas em deduções racionais, como fez Leibniz; um relativista só tem a incerteza inconsequente e estéril como crença ― incerteza que se manifesta no “anti-tudo” de Rorty, traduzido no texto crítico supracitado.

Ademais, Unamuno é a prova de que o relativismo não é característica da esquerda política, porque ele foi um apoiante incondicional de Primo de Rivera e de Franco (se bem que, na altura, o nazismo, que apoiou Franco, era considerado de Esquerda).


Rorty

Voltando a Rorty, este defende que as diferenças culturais são todas relativas e não diferem, no fundo, das subculturas que se podem encontrar no interior de uma mesma cultura. Para Rorty, não é importante saber se as diferenças culturais numa sociedade são anteriores ou posteriores às Luzes (Iluminismo, como estádio de evolução social), optando pela substituição da força pela persuasão nas relações com outras culturas, pela transformação de diferendos em litígios, e pela ligação das “ilhas linguísticas” ao continente. Isto é a base do multiculturalismo que existe sempre numa sociedade com uma cultura ocidental preponderante, e que se baseia na ideia de que é sempre bom conhecer e conviver com outras culturas desde que nos mantenhamos fieis à nossa. Rorty já não defende o imperialismo clássico europeu, mas o “imperialismo doce”, dialogante, e que nada mais é do que uma forma dissimulada de violência. Os relativistas são, essencialmente, hipócritas.

Não nos podemos esquecer, porém, da origem do Pragmatismo (relativismo): ele é a forma contemporânea que foi assumida pela tradição clássica do empirismo inglês, que por sua vez teve raízes e influências do Positivismo de Comte. E o Positivismo surgiu do Iluminismo e do racionalismo exacerbado que recua na História, passando pelos estóicos até Protágoras. O pensamento ocidental foi fundado na intransigência dogmática da lógica grega do “terceiro excluído”, segundo a qual, se de duas proposições contraditórias uma é verdadeira, a outra é necessariamente falsa. A lógica do “terceiro excluído” gerou os neopositivistas e os relativistas pragmáticos; a maleita é a mesma, embora os sintomas sejam diferentes.

Talvez tenha chegado a altura de darmos atenção às filosofias e religiões orientais, entre elas o Budismo, e de as integrarmos na nossa cultura – não da forma como Rorty encara o confronto de culturas (o “imperialismo doce”), mas com a abertura de espírito com que todos os filósofos devem encarar as teorias. Ao contrário do que os relativistas afirmam, o Budismo não é só uma filosofia, mas é essencialmente uma religião, com os seus mitos e os seus ritos. Brevemente publicarei aqui uma série de posts sobre o Budismo, não numa visão “ocidentalizada” de tipo “New Age”, como está na moda, mas uma abordagem tão genuína quanto possível, com recurso a uma fidelidade histórica e cultural.

1 Comentário »

  1. Tirei proveito de algumas partes desta palta que me foram interessantes… se há pensadores há questionamento, o raciocínio de cada um pode apóntar uma direção, mas creio que os resultados pessoais, concretos e permanentes obtidos ao longo de estudos e da vida estabelece um grupo que expressa uma vertente com provas coerentes e não apenas insinuações e pensamentos vazios e manipuladores.

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    Comentar por LUIZ AUGUSTO BORGES RIBEIRO — Terça-feira, 13 Abril 2010 @ 3:59 pm | Responder


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