perspectivas

Quinta-feira, 30 Agosto 2012

Umberto Eco e o politicamente correcto

« A única coisa que podemos fazer é estabelecer que é politicamente correcto usar os termos, incluindo o termo P.C. (politicamente correcto), no seu sentido próprio, e quem quiser ser um P.C. neste sentido deve sê-lo dentro dos parâmetros do bom senso. Basta atermo-nos ao princípio fundamental de que é humano e civilizado eliminar da linguagem corrente os termos que fazem sofrer os nossos semelhantes. »

— Umberto Eco, Acerca do Politicamente Correcto, La Repubblica, Outubro de 2004.

Neste artigo de Umberto Eco, ele tenta separar o politicamente correcto, por um lado, do marxismo cultural, por outro lado; tenta dizer que o primeiro não tem nada a ver com o segundo. Diz ele que o politicamente correcto tem exclusivamente a ver com a linguagem, e que as posições políticas e ideológicas de Esquerda, não só não têm necessariamente nada a ver com o politicamente correcto, mas também que a própria Direita tem o seu próprio politicamente correcto (na opinião de Umberto Eco).

O marxista cultural é aquele marxista que chegou à conclusão — por seu próprio raciocínio e inteligência — segundo a qual a defesa das posições ideológicas e/ou políticas marxistas ortodoxas é politicamente correcta, ou seja, é sinónimo de mentecapcia.

Mas como não consegue separar-se da utopia que exerce nele uma influência patológica, o marxista cultural oblitera a praxis ou os aspectos práticos da ideologia (ou da religião política, vai dar no mesmo) e utiliza apenas os seus argumentos teóricos — à semelhança do que fizeram Adorno e Marcuse. Umberto Eco não se esquece de que Gramsci tinha razão: apenas acha patético reconhecer a sua opinião démodée em público; e, por isso, adopta publicamente Adorno ou Derrida ou Habermas.

A verdade é que não só o politicamente correcto não tem só a ver com a linguagem, mas também não é possível separar a linguagem, por um lado, das ideias, por outro lado — ou seja, não é possível separar a linguagem ou o tipo de discurso, da ideologia política. Portanto, Umberto Eco apenas recusa “dar o flanco” político, o que é desonesto da parte dele.

Aquilo que Umberto Eco chama “politicamente correcto de direita” é apenas e só o exagero linguístico e o tipo de discurso necessário, por parte dos conservadores, no intuito de corrigir a assimetria política e ideológica [assimetria de Poder] que o politicamente correcto propriamente dito— que é endogenamente marxista cultural e, por isso, de origem marxista — instituiu no Ocidente depois da queda do muro.
Naturalmente que eu até compreendo que talvez Umberto Eco preferisse que não existisse esse “politicamente correcto de direita” que, de certa forma, tende a equilibrar a actual assimetria política, ideológica e de Poder que existe a Ocidente.

O facto de mudarmos a linguagem não modifica a condição ética de determinados comportamentos. Não é por não usarmos determinada terminologia, ou por adoptarmos outra, que os visados deixam de ser aquilo que são. Por exemplo, não é por chamarmos casamento ao “casamento” gay, que o “casamento” gay passa a ser casamento. A linguagem não altera aquilo que as coisas são em si mesmas. Umberto Eco tinha a obrigação de saber isto; ou pelo menos deveria conhecer aquela frase de Groucho Marx: “Acreditas naquilo que eu te digo, ou naquilo que os teus olhos mentirosos vêem?!”

Portanto, a proposição “eliminar da linguagem corrente os termos que fazem sofrer os nossos semelhantes”, se entendida apenas em si mesma, vale nada, porque a forma por que esses semelhantes são vistos pela maioria das pessoas, não mudou nada: apenas se privatizou compulsoriamente a opinião: Umberto Eco acaba por defender a institucionalização normativa da hipocrisia.

Por outro lado, é extremamente difícil que alguns tipos de comportamentos não sejam mal vistos pela maioria, ou, pelo menos, aceites com cepticismo ou com grandes reservas. Por exemplo, um homem que goste de introduzir um pénis no seu ânus pode ser objecto de uma falsa moralidade e de hipócrita boa educação que esconde a palavra “maricas” ou “fanchono”. Mas a verdade é que as formas através da quais o maricas deixa de ser fanchono aos olhos da maioria, será sempre, ou através da repressão política marxista cultural ou politicamente correcta (como acontece hoje nos países nórdicos e em Inglaterra), ou através da conversão da maioria das pessoas em maricas — que mesmo que não fosse uma impossibilidade objectiva, representaria a impossibilidade do futuro da sociedade.

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