perspectivas

Segunda-feira, 25 Junho 2012

A eterna auto-vitimização brasileira

Filed under: A vida custa,cultura,Esta gente vota,politicamente correcto — O. Braga @ 10:01 am
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O desenho aqui ao lado apareceu no Facebook, publicado obviamente por um brasileiro. O Brasil é um caso curioso, porque parece que toda a gente tem opinião, e isso é bom; pelo menos, têm opinião. Um português não publicaria uma coisa semelhante com relação a Portugal, talvez por indiferença em relação à política ou mesmo por insensibilidade política. Enquanto que o brasileiro que fez o desenho, errou, o português talvez não errasse porque é, cada vez mais, politicamente amorfo.

A Bíblia está na base da teologia. Ainda hoje, na academia, a teologia é considerada a “ciência das ciências”. A teologia implica, nomeadamente, o estudo profundo da filosofia e, desta, das áreas de lógica, ética e de metafísica. Não fosse o estudo medieval da teologia, a ciência que temos hoje não seria possível.

O desenho supracitado erra essencialmente por quatro razões.

Em primeiro lugar, cálculos muito optimistas dizem que quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500, existiriam 7 milhões de índios distribuídos por várias tribos e etnias. Mesmo considerando que este número se aproxime da verdade (o que eu duvido!), a densidade populacional do Brasil seria de 0,82 habitantes por quilómetro quadrado. Para que se tenha uma ideia da pequena densidade populacional daquela época, o Brasil de hoje tem uma densidade populacional de 24,2 habitantes por quilómetro quadrado, incluindo naturalmente as regiões praticamente desabitadas da Amazónia. Uma densidade populacional de 0,82 habitantes por Km2, no imenso Brasil, revela um território praticamente desabitado.

O brasileiro típico é aquele que se chama Manuel Joaquim Chiado Lisboa da Silva Oliveira, e que diz que os portugueses são uns filhos-da-puta.

Em segundo lugar, e ao contrário dos espanhóis, os portugueses não procuraram conquistar a terra interior do Brasil: antes concentraram-se no litoral, no comércio e numa agricultura de subsistência. Os portugueses misturaram-se com os índios, criando uma miscigenação ainda antes de os negros chegarem ao Brasil para trabalhar como escravos nas plantações de cana-de-açúcar. Quando os primeiros negros chegaram ao Brasil, já existiam muitos mulatos de índio.

O interior do Brasil continuou inexplorado até finais do século XVII. Portanto, a ocupação da terra, por parte dos portugueses, foi harmoniosa até ao tempo da proliferação das roças de açúcar. Foi só a partir de finais do século XVII, com a descoberta do ouro brasileiro no centro-sul do Brasil [Minas Gerais] — que coincidiu com o absolutismo monárquico português [importado de França] — que os portugueses avançaram um pouco mais para o interior do Brasil.

Em terceiro lugar, o trabalho de alfabetização dos índios, levado a cabo pelos jesuítas, foi extraordinário. E tanto assim foi que os índios alinharam com os portugueses na guerra contra os franceses e holandeses. Se os índios não estivessem de bem com os portugueses, certamente teriam procurado apoio nos holandeses ou nos franceses.

Em quarto lugar, a ocupação massiva das terras do interior do Brasil deu-se já depois da independência do Brasil (1822). Portanto, não é justo que os brasileiros culpem os portugueses de algo que foi obra de brasileiros.

4 comentários »

  1. Qualquer dia estão a acusar os portugueses de ter dado cabo da Amazónia…

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    Comentar por José Ferrão — Segunda-feira, 25 Junho 2012 @ 10:13 am | Responder

  2. Isso provavelmente deve ser cópia de algum desenho norte-americano. Uma vez que lá, houve de fato confisco de terras, por se tratar de um pais com regiões desérticas ou florestas temperadas, e poucos rios, os indios de lá tinham noção de “terra”, fronteira e.t.c, pois eles tinham o hábito de marcar fronteiras de caça e coleta, chegando as vezes a ter guerra com outras tribos.

    Os indios brasileiros(a semelhança dos nativos africanos) não tinham noção de propriedade de terras do mesmo modo que os indios americanos, pelo óbvio motivo do Brasil ser coberto por florestas tropicais e matas e além disso possuia muitos rios, não havia a necessidade das tribos ficarem marcando territórios.

    A assimilação e miscigenação com indios no Brasil, não tem paralelo no globo. Aqui há muitos majs nomes de ruas e coisas herdadas de nomes indigenas, em comparação com o que há nos Estados Unidos por exemplo. O trabalho dos jesuítas tem o seu ápice na criação de um dicionário de tupi-guarani. Se não fosse esse legado, provavelmente esse idioma não seria mais ensinado como é ensinado hoje nas tribos. As tribos mais próximas de centros urbanos, que não tiveram influência dos jesuitas, já abandonaram completamente seu idioma nativo e só falam português.

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    Comentar por Marcelo R. Rodrigues — Segunda-feira, 25 Junho 2012 @ 11:09 am | Responder

  3. “O Brasil é um caso curioso, porque parece que toda a gente tem opinião, e isso é bom; pelo menos, têm opinião.”

    Não, isto não é bom. Como fica claro pelo cartoom que ilustra o seu post.

    Essa ojeriza à Portugal começou a ganhar força decisiva durante o Romantismo (especialmente com o Indianismo). A vontade de romper, se possível, todos os laços culturais com o país levou um homem como José de Alencar, por exemplo, à defender os erros de português como sendo sinais de um novo dialeto nascente. Chamavam aos erros de Brasileirismos. Mas a coisa foi sistematizada por gente como o sociólogo Manuel Bonfim, que ligava os problemas brasileiros diretamente ao fato do Brasil ter sido colonizado por Portugal. Aliás, o homem tinha um ódio particular pela casa de Bragança.

    Hoje é comum ouvir aqui pessoas a lamentar que o Brasil não tivesse sido colonizado pela França, ou pela Holanda: como se não tivessemos no Continente os exemplos da Guiana Francesa e do Suriname.

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    Comentar por pedrogarciaburgales — Segunda-feira, 25 Junho 2012 @ 6:44 pm | Responder

  4. “Isso provavelmente deve ser cópia de algum desenho norte-americano.”

    Pelos vistos é mesmo um desenho sobre um indígena “norte americano”: leia-se o que está escrito na margem direita.
    Ampliado aqui: http://esimch.blogspot.pt/2011/04/charge-dia-do-indio.html

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    Comentar por csousa — Quarta-feira, 27 Junho 2012 @ 12:26 pm | Responder


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